20200327 telecine play destaque

Terminando a nossa lista de matérias sobre as melhores descobertas em cada um dos principais serviços de streaming, o Papo de Cinema seleciona dez grandes filmes disponíveis no Telecine Play. A plataforma costuma ser associada às grandes produções que acabam de sair dos cinemas, incluindo filmes de ação e super-heróis, mas o desafio da redação, ao fazer a lista, foi fugir do óbvio.

Por isso, sugerimos dez excelentes títulos, talvez pouco conhecidos pelos espectadores, e que merecem a nossa atenção, especialmente nesses tempos de quarentena. (A gente lembra: se puder, fique em casa em tempos de pandemia!). Já conhece todos os filmes abaixo?

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Robledo Milani (Editor-chefe)
Blow-Up: Depois Daquele Beijo (1966) / Conquistar, Amar e Viver Intensamente (2018)

Diante do imenso catálogo e de uma incrível variedade de opções que se encontram disponíveis no Telecine Play, é quase impossível que o bom cinéfilo não vislumbre opções do seu agrado. Portanto, iremos agora com duas recomendações que, se não óbvias, certamente irão agradar desde os mais veteranos até os recém-chegados. Para começar, um clássico universal: Blow-Up: Depois Daquele Beijo, de Michelangelo Antonioni. Primeiro longa do mestre italiano a ser filmado em inglês, conta com uma belíssima Vanessa Redgrave, ainda em início de carreira, como uma modelo de renome internacional, e David Hemmings, como um fotógrafo de moda que, durante uma sessão de trabalho ao ar livre, acaba registrando, em uma das suas imagens, algo absolutamente inesperado. Baseado em um conto de Julio Cortazar, recebeu duas indicações ao Oscar, concorreu como Filme Estrangeiro (pela Inglaterra) no Globo de Ouro, levou a Palma de Ouro no Festival de Cannes e os troféus de Melhor Filme e Direção pela Sociedade Nacional dos Críticos de Cinema dos Estados Unidos. Um filme inesquecível.

A dica seguinte é uma atração bem mais recente: o francês Conquistar, Amar e Viver Intensamente, de Christophe Honoré. Selecionado para os festivais de cinema LGBT de Milão a Seattle, entre tantos outros, tem no centro de sua ação o relacionamento amoroso entre dois homens – Jacques (Pierre Deladonchamps) e Arthur (Vincent Lacoste) – um mais velho e fatigado pelo amor, e outro mais novo e sedento por experiências inéditas – e como a história deles será abalada quando um deles se descobre com o vírus do HIV. Com bastante delicadeza e bom humor, este é um drama romântico que deverá comover até os corações mais duros, seja pelo toque leve com o qual cineasta conduz esse tempestuoso relacionamento, como também pela forma como o elenco abraça esses personagens, em atuações repletas de afetos. Leia a nossa crítica.

 

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Marcelo Müller (Editor)
As Duas Faces da Felicidade (1965) / Boa Noite, Mamãe! (2014)

Uma das vantagens de navegar pelo catálogo do Telecine Play é que não se torna obrigatório escolher apenas entre filmes contemporâneos, uma vez que a oferta de clássicos, senão excepcional, pode trazer algumas boas surpresas. É o caso de As Duas Faces da Felicidade, da cineasta belga Agnès Varda. De fotografia luminosa, com traços abertamente impressionistas, o filme fala sobre um carpinteiro que vive plenamente feliz ao lado da esposa e dos filhos. Todavia, ao conhecer uma jovem, ele se perde num turbilhão de novos sentimentos (sem remorso, porém), o que coloca em xeque não apenas o casamento, mas a monogamia. Varda faz um filme que não fica preso a estereótipos, não revolve as convenções para determinar culpados, inocentes, vítimas e algozes, uma vez que sua observação se mostra bastante atenta à complexidade da concepção psicológica e emocional das peças desse jogo intrincado. Há uma belíssima dose de poesia na forma cotidiana de esquadrinhar sentimentos e reações.

Bons filmes de terror… aterrorizam. Parece uma obviedade enorme, e talvez até o seja. Todavia, poucos gêneros são tão vilipendiados no âmbito comercial como o horror, vide a leva de filmes de baixíssima qualidade que chegam semanalmente aos cinemas e a outros suportes. Por isso é tão instigante quando uma produção forte como Boa Noite, Mamãe! nos é disponibilizada. Dirigido por Severin Fiala e Veronika Franz, o longa fala sobre dois gêmeos isolados com a mãe numa propriedade campestre. Ela, âncora de um telejornal, fez uma operação plástica no rosto e perambula com uma máscara que adquire gradativamente tons macabros. Há uma excepcional delineação atmosférica, no sentido de ora corroborar, ora confrontar a dúvida dos garotos quanto à veracidade da identidade da mulher se recuperando na casa. Será que por baixo das ataduras, ao invés daquela que os colocou no mundo, reside, de fato, um monstro abominável pronto para devorá-los tão logo seja possível? Só vendo essa beleza vinda da Áustria, na qual, definitivamente, as aparências e as expectativas enganam. Leia a nossa crítica.

 

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Francisco Russo (Editor)
Fahrenheit 9 de Novembro (2018) / Poder Sem Limites (2012)

Michael Moore está de volta, mais uma vez explorando sua persona provocadora em documentários sobre temas políticos espinhosos. Desta vez ele volta suas baterias não apenas para Donald Trump, mas também aos democratas – tanto Obama quanto Hillary Clinton são alvos – em defesa de movimentos sociais ocorridos nos Estados Unidos, sem qualquer apoio do governo. Por mais que volta e meia cometa excessos, como de hábito na carreira do cineasta, Fahrenheit 9 de Novembro é um filme que levanta questionamentos relevantes sobre este mundo atual onde o capital reina absoluto, ao menos antes da pandemia de coronavírus. Vale uma conferida, com o senso crítico atento.

Este filme de super-heróis de baixo orçamento, todo rodado no estilo found footage, traz uma boa dose de criatividade narrativa e uma garra poucas vezes vista em filmes do gênero. Além disto, Poder Sem Limites revelou tanto Dane DeHaan quanto Michael B. Jordan, sem falar no diretor Josh Trank, antes de cair em desgraça com seu malfadado Quarteto Fantástico (2015). Bem divertido e bem na contramão do cinema de espetáculo, tão bem executado pela Marvel. Leia a nossa crítica.

 

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Bruno Carmelo (Editor)
Através das Oliveiras (1994) / O Segredo das Águas (2014)

O diretor iraniano Abbas Kiarostami construiu sua sólida carreira em torno de filmes de aparência simples, porém apresentando roteiros bem sofisticados. Em Através das Oliveiras, uma de suas obras-primas, ele combina a ficção com uma aparência de documentário ao retratar a vida de um diretor que busca realizar seu novo projeto numa região pacata do país. Ao escolher não-atores para o projeto, encontra problemas com o ator, que retarda de propósito suas cenas de modo a postergar a separação com a atriz, por quem está secretamente apaixonado. Um filme delicado, que funciona bem enquanto romance, crônica do Irã e comentário sobre o poder do cinema.

Saltando do Oriente Médio ao Japão, vinte anos mais tarde, outra boa pedida é o belíssimo O Segredo das Águas, de Naomi Kawase. A diretora, que começou com projetos muito próximos do documentário, tem investido cada vez mais num cinema de viés espiritual e/ou religioso. O filme de 2014 se encontra no meio-termo deste percurso pessoal, colhendo o melhor dos dois registros. Na trama, um casal de adolescentes precisa enfrentar a morte: enquanto ele descobre um cadáver boiando na praia perto de casa, ela enfrenta a doença incurável da mãe. Aos poucos, encontram forças para lidar com seus medos juntos, em plena natureza, como de costume nos dramas de Kawase. Leia a nossa crítica.

 

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Victor Hugo Furtado (Redator)
Lucky (2017) / O Herói (2017)

Ambas sugestões são de 2017, têm idosos como frontmen e partem da mesma premissa: a inevitável aproximação da idade avançada e, com ela, o fim de nossa trajetória neste plano – de uma forma um tanto quanto melancólica. Em Lucky (2017), Harry Dean Stanton interpreta um idoso amargurado e que já perdeu quase todas as noções de responsabilidade e convívio social que tanto prezamos. Ele sabe que sua saúde não lhe permite mais sonhar e se afoga em arrependimentos. Com uma fotografia detalhista e uma performance gigantesca do protagonista, temos aqui uma pedra preciosa que, infelizmente, não foi lançada ao grande público – vide as vergonhosas poucas lembranças deste filme na temporada de premiações. Curiosamente, Stanton faleceu no mesmo ano da produção – imprimindo mais grandiosidade à trama do que ela já possui e a tornando uma espécie de homenagem ao artista. Leia a nossa crítica.

Em seguida, temos O Herói (2017). Este protagonista, um pouco mais altivo, sofre por não gozar mais do prestígio que possuía quando era uma estrela de filmes de faroeste. O tratamento que o tempo lhe deu o faz encarar seus últimos momentos na Terra com desdém e amargura – seja fumando/bebendo ou menosprezando as gerações que estão por vir. Possuindo uma narrativa mais positivista, serve como um bom filme para reflexão sobre as escolhas da vida. Vale muito a pena, pois Sam Elliott é daqueles atores que, quando sorriem principalmente, engrandecem a cena e a trama que está lhe acompanhando. Quanto aos prêmios do longa? Nenhum que valesse o tamanho dessa outra raridade a ser descoberta. Ah! E as canções country de ambas produções são um bônus à parte.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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