As obras da escritora de ficção norte-americana, Elizabeth Bishop, são conhecidas mundialmente, mas o que muitos não sabem é que a poeta manteve uma relação intensa e apaixonada com a arquiteta e paisagista autodidata brasileira Lota de Macedo Soares. Esse momento icônico da história com um trágico fim está sendo contado por “O Tempo das Chuvas”, documentário dirigido pela cineasta Celina Torrealba que se debruça sobre a vida discreta dessas mulheres de sua época, as quais lutaram contra enormes desafios pessoais e sociais.
Neste artigo, discute-se a história de Elizabeth Bishop e Lota de Macedo Soares e sobre como seu relacionamento se reflete até hoje nos lugares que construíram e nas palavras que escreveram.
Nascida em fevereiro de 1911 nos Estados Unidos, Elizabeth Bishop foi uma escritora premiada, considerada uma das poetisas mais importantes do século XX a escrever em língua inglesa. Com uma infância conturbada, Bishop perdeu o pai para o suicídio antes de completar um ano de idade e sua mãe precisou ser internada em uma clínica psiquiátrica quando Elizabeth tinha apenas cinco anos.
Elizabeth Bishop viveu no Canadá e Estados Unidos e, posteriormente, no Brasil, para onde veio após receber um incentivo de 2,500 dólares do Bryn Mawr College. Com esse dinheiro, Bishop iniciou uma viagem pela América do Sul, chegando ao Brasil em novembro de 1951 para combater a depressão e fugir do alcoolismo.
Bishop foi recebida no Brasil por sua amiga e compatriota Mary Morse, hospedando-se na propriedade de Maria Carlota Costallat de Macedo Soares, conhecida como Lota. O local era a fazenda Alcobaça, em Petrópolis, no Rio de Janeiro e, apesar de planejar passar pouco tempo por aqui, a escritora teve uma crise alérgica após comer um caju, precisando ser tratada. O tratamento cuidadoso dispensado por Lota a encantou Elizabeth, por quem se apaixonou no processo.
Filha de brasileiros, Lota de Macedo Soares nasceu em Paris em 1910 e residiu em Nova York na década de 40, estabelecendo assim relacionamentos na área das artes como por exemplo o curador do Museu de Arte Moderna de Nova York. Herdeira de uma ilustre família carioca e filha do político e jornalista José Eduardo de Macedo Soares, Lota tinha um relacionamento familiar conturbado, principalmente com seu pai.
Arquiteta e paisagista autodidata, Lota foi convidada pelo governador do recém-criado estado da Guanabara (1960–1965), Carlos Lacerda, para trabalhar no projeto do Parque do Flamengo. Hoje, a obra localizada na cidade do Rio de Janeiro é considerada o maior Parque urbano do mundo.
Após se conhecerem, com a chegada de Elizabeth Bishop ao Brasil e sua hospitalização, a escritora renomada e Lota de Macedo Soares se apaixonaram perdidamente. Elas permaneceram juntas por 16 anos, morando no idílico ambiente da fazenda Alcobaça, onde a arte de Bishop floresceu.
Foi em 1955, enquanto residente de Petrópolis, que Elizabeth Bishop publicou o seu segundo livro, “Poems: North & South – A Cold Spring”, recebendo o prêmio Pulitzer de poesia no ano seguinte e ganhando fama definitiva. Na época em que viveram na fazenda Alcobaça, Lota estava finalizando a construção do projeto, e presenteou Bishop com um estúdio para que escrevesse os seus poemas tranquilamente.
Foram anos afetuosos, em que Lota, conhecida por sua personalidade expansiva e autoritária, se uniu à Bishop que era tímida porém sagaz e engraçada na vida íntima. Juntas, uma mudou a vida da outra — Bishop criou as raízes que nunca tivera, enquanto Lota ganhou leveza e a paixão que nunca teve.
No entanto, quando Lota aceitou o desafio de construir o Parque do Flamengo, inicia sua nova obsessão no trabalho. Sentindo-se abandonada, a escritora voltou a beber excessivamente. Com a Revolução de 1964, Carlos Lacerda não continua como Governador e Lota tem seu projeto do Parque para o povo humilde da cidade do Rio de Janeiro ameaçado, então teve um colapso e precisou ser hospitalizada. Bishop viajou para Nova York para dar um espaço à Lota e, em 1967, Lota foi visitá-la, alegando estar bem o suficiente para fazer a viagem. Assim que chegou aos EUA, Lota é hospitalizada e vem a morrer.
Mais detalhes da trágica e apaixonada história de Elizabeth Bishop e Lota de Macedo Soares são contados pela obra “O Tempo das Chuvas”, produzida pela Donna Features e dirigida por Celina Torrealba. Atualmente em fase de produção no Brasil e EUA, “O Tempo das Chuvas” traz à luz os desafios pessoais e sociais vivenciados pelas duas mulheres influentes em sua época.
Além de tratar especificamente da relação entre Elizabeth e Lota, o documentário de Celina Torrealba explora o tema das mulheres nas artes no século XX, uma perspectiva relevante para o entendimento da influência do gênero e da sexualidade na produção artística. A direção de Celina Torrealba é complementada por profissionais como Sergio Carpi (produção) Marcio Rosario (produção executiva), Paulo de Andrade (pós-produção e colorização), Antonio Venâncio (pesquisa), Andrea Moraes (direção de arte) e Cecilia Rubino (roteiro).
Documentarista brasileira e fundadora da produtora Donna Features, Celina Torrealba é a diretora responsável pelo filme “O Tempo das Chuvas”. A jornada cinematográfica de Celina Torrealba resultou em inúmeras obras que se relacionam à temática das artes, da ancestralidade e da importância de se entender o passado para construir o futuro. Por exemplo, além da obra que elucida a relação entre Elizabeth Bishop e Lota de Macedo Soares, Celina Torrealba trabalhou no filme “Arte da Diplomacia”, que retrata o evento da exibição da Arte Moderna brasileira em 1944, em Londres, no contexto da Segunda Guerra Mundial.
Petrópolis é outra ramificação prolífica do trabalho de Celina Torrealba, que tem uma relação pessoal com a cidade localizada a norte do Rio de Janeiro. Além de reproduzir, em “O Tempo das Chuvas”, os fatos que se passaram na fazenda Alcobaça, a cineasta também vem trabalhando no projeto “Petrópolis de Cada Um”, documentário criado para se tornar um registro duradouro para o patrimônio cultural e natural de Petrópolis.
A história de amor entre Elizabeth Bishop e Lota de Macedo Soares deixou um legado que transcende suas vidas e influências diretas. A relação delas impactou profundamente suas respectivas áreas — a literatura e a arquitetura — e continua a ser objeto de estudos acadêmicos, documentários e obras de arte.
A estadia de Elizabeth Bishop no Brasil teve um efeito significativo em sua produção literária, por exemplo. Poemas como “The Armadillo” e “Questions of Travel” são diretamente inspirados por suas experiências no país e refletem a paisagem brasileira e as complexidades culturais que encontrou.
O tempo passado na fazenda Alcobaça, em particular, ofereceu a Bishop a estabilidade emocional e o ambiente criativo necessários para desenvolver algumas de suas obras mais celebradas. A influência de Lota, com seu apoio e estímulo constantes, foi indispensável para o florescimento artístico de Bishop durante esse período.
Lota de Macedo Soares, por sua vez, deixou um marco indelével na arquitetura e no urbanismo brasileiro. Seu trabalho no Parque do Flamengo é uma prova da sua visão inovadora e capacidade de transformar espaços urbanos em áreas de convivência harmoniosa com a natureza. O parque é hoje um dos maiores espaços públicos do Rio de Janeiro, simbolizando a herança de Lota e sua contribuição para a cidade.
Além do documentário “O Tempo das Chuvas”, de Celina Borges Torrealba Carpi, a história de Bishop e Lota foi representada em outras obras, como o filme “Flores Raras” (2013), que traz um drama ficcional do relacionamento delas e ressalta os desafios e triunfos pessoais. Essas manifestações culturais ajudam a manter viva a memória das duas e a apresentar suas histórias a novas gerações.