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Nunca houve uma mulher como Gilda. Pelo menos não no subúrbio do Rio de Janeiro inicialmente pensado pelo autor Rodrigo de Roure para o teatro – levado aos palcos inicialmente em 2004 e em 2018 reivisitado por Karine Teles nos tablados. O cineasta Gustavo Pizzi se encarregou de conceber o projeto de Os Últimos Dias de Gilda (2020) série de televisão com quatro episódios de cerca de 25 minutos cada. Karine, uma das atrizes mais potentes de sua geração, dividiu-se entre a escrita conjunta do roteiro (com Pizzi) e o protagonismo, dando vida a uma Gilda que não mede esforços para exercer a sua liberdade. Vivendo da criação e do posterior abate de galinhas e porcos, dona de um talento equivalente à culinária e ao amor, essa mulher surge como afronta à sociedade obscurantista que mistura religião, política e violência para determinar quais comportamentos são considerados apropriados. São dois mundos em choque. Duas realidades num embate brutal que diz muito sobre o nosso Brasil contemporâneo.

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Nesta terça-feira, 24, foi realizada uma coletiva online de lançamento da série que estará disponível a partir desta sexta-feira, 27, às 22h30 no Canal Brasil, sendo no mesmo dia integralmente disponível no Globoplay e do streaming dos Canais Globo. Estiveram presentes no evento mediado pela jornalista Simone Zucolotto o criador e diretor Gustavo Pizzi, os intérpretes Karine Teles, Ana Carbatti, Julia Stockler, Antonio Saboia e Erom Cordeiro.

“Estou muito feliz de estar finalmente estreando a série sobre essa personagem que conheci há muito tempo e que continua me ensinando tanto (…) A dramaturgia do Rodrigo tem uma característica específica, feita de idas e vindas (…) Já na aquela época do primeiro contato com o texto, comentava que gostaria de fazer a Gilda mais velha, quando eu tivesse filhos, para elaborar coisas que não conseguia naquela época (…). A Gilda da série é baseada na do teatro, mas é outra coisa. Acho muito bonito ver como essa sementinha rende, se desdobra”, disse Karine que comentou, ainda, da tentativa de levar o texto ao cinema, antes mesmo que ela e Gustavo Pizzi chamassem a atenção com o celebrado e premiado Riscado (2010).

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“Realmente, tentamos muitos editais, acabou não dando certo, mas o projeto sempre ficou ali. Há uns três ou quatro anos abrimos a possibilidade de fazer em série. Havia o desafio de transportar essa personagem aos lugares de hoje. No texto há elementos muito claros de quem é Gilda, mas, ao mesmo tempo, fizemos o programa pensando muito nesse Brasil pós-2013. No processo de filmagem o roteiro mudou bastante, rodamos entre os dois turnos da campanha presencial, em 2018, ou seja, estávamos imbuídos do espírito daquele tempo. Muita coisa surgiu no set”, afirmou Gustavo Pizzi que também discorreu brevemente a respeito do diálogo com o teatro: “Houve nesse sentido uma busca de criar um não lugar, como se aquilo acontecesse em qualquer tempo e lugar. A realidade da Gilda parte do texto e de frases super poéticas escritas pelo Rodrigo. E como a gente transforma isso para o audiovisual? Como fazemos isso da maneira mais honesta diante da atualidade? Era uma preocupação”.

Outra figura importantíssima em Os Últimos Dias de Gilda é Cacilda, interpretada por Julia Stockler. Após o sucesso de A Vida Invisível (2019), no qual vive a libertária Guida, aqui ela vive uma mulher evangélica inclinada a oprimir a protagonista condicionada pelo moralismo de sua fé. “A Cacilda é uma sombra, é a intolerância. Ela olha a Gilda e não consegue abraçar essa mulher que é pura luz. A Cacilda se estrutura a partir da dor, ela se agarra a um modelo de evangelização para dar contornos à própria vida. (…) a relação das duas vai sendo transformada a partir da generosidade. A Gilda como mulher contemporânea livre e independente ainda tem a empatia pela outra, é um colo à comunidade mesmo sendo profundamente ferida. Esse é um projeto que dá ar para respirarmos diante uma sociedade desmoronando (…) A Karine foi muito generosa, tivemos bastante trabalho na sala de ensaio para construir essa relação. No set as coisas iam acontecendo e acabamos abraçando. Gosto de ver a Cacilda naufragando dentro dela e redescobrindo a força de estar com outras mulheres”.

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Perguntamos especificamente a Karine Teles sobre a preocupação com a complexidade da eloquência de Gilda, algo que não passa simplesmente pela esfera verbal, mas está contido também na fisicalidade e no gestual. “Teve sim uma preocupação forte com essa eloquência da fisicalidade da Gilda. No audiovisual há uma possibilidade grande de comunicar sem a palavra. Aí entra o trabalho do Gustavo. Ele tem uma visão sensível do trabalho do ator, mas também quanto ao pensamento da imagem. Na série tem uma lembrança de que a origem é teatral, por meio das frases que entram e ao mesmo tempo uma possibilidade de falarmos bastante coisa sem precisar da palavra. A série tem imagens muito fortes. A gente tem dificuldade de se comunicar na vida, se desentende facilmente, então acho que o audiovisual tem essa potência de comunicar sem palavras. Fisicamente, as personagens são sempre em conjunto. Claro que meu corpo é a base, mas aí entra o olhar de quem está dirigindo, o figurino, a direção de arte, tudo isso interfere na fisicalidade. O trabalho do ator no cinema é muito colaborativo”.

Lembrando que Os Últimos Dias de Gilda estreia nesta sexta-feira, 27, no Canal Brasil e no Globoplay.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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