Seria cômico, se não fosse trágico. O Secretário da Cultura, Mário Frias, telefonou a Jorge Pellegrino, presidente da Academia Brasileira de Cinema, para discutir a escolha do representante brasileiro na corrida pelo Oscar 2021 de melhor filme internacional (antigo “melhor filme estrangeiro”).
Frias buscou intimidar o comitê de seleção, segundo o jornal O Globo, decretando que o título escolhido precisaria estar “mais alinhado com os objetivos do governo federal”, para não repetir o caso de Democracia em Vertigem (2019), documentário crítico ao golpe contra Dilma Rousseff em 2016.
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Ora, o Secretário desconhece o funcionamento básico dos festivais e premiações. Primeiro, Democracia em Vertigem não foi o filme escolhido para representar o Brasil na última edição. O documentário de Petra Costa foi inscrito pela Netflix, concorrendo diretamente com outros documentários norte-americanos. O título brasileiro que disputou a vaga na categoria de filme estrangeiro foi o drama A Vida Invisível (2019), de Karim Aïnouz.
Segundo, o governo não pode ter qualquer ingerência sobre a escolha, visto que a Academia Brasileira de Cinema possui autonomia em relação ao governo federal. A própria organização do Oscar emitiu um comunicado para reforçar a independência da escolha, que será efetuada por um grupo de profissionais qualificados do audiovisual brasileiro, a exemplo de Laís Bodanzky e Lula Carvalho.
Mesmo assim, a truculência e a desinformação têm sido traços da gestão Frias à frente da pasta da Cultura. Ele comandou recentemente a tomada das chaves da Cinemateca Brasileira, com a ajuda de escolta policial, visando a transferência do acervo para Brasília. O estatuto da instituição prevê que a sede permaneça em São Paulo, e que não possa ser controlada diretamente pelo governo. A gestão Bolsonaro impediu o repasse de verbas de R$ 14 milhões à Cinemateca, levando ao fechamento da mesma e à demissão de todos os funcionários.