Algumas premiações mundo afora têm simplesmente abolido as separações entre ficções e documentários. Parece uma ideia atraente, até mesmo porque em alguns casos fica difícil estabelecer essas fronteiras (se é que nutrimos interesse pelas fronteiras entre ficcional e documental). Num mundo ideal talvez isso fizesse ainda mais sentido, mas verdade seja dita: se numa premiação industrial como o Oscar os documentários não tiverem uma categoria para chamar de sua é bem provável que eles sumam de vista. Quer um indício disso? Quantas vezes um documentário ganhou o Oscar de Melhor Filme em quase 100 anos de festa? Se você coçou a cabeça e pensou “nenhuma”, acertou na mosca. Portanto, a categoria Melhor Documentário ao menos oferece visibilidade a esses filmes importantíssimos de um suporte que está longe de se restringir estética e formalmente às apropriações que dele o jornalismo fez. Dito tudo isso, vamos aqui fazer um exercício de conjecturas para tentar imaginar o cenário. Boa conferir a nossa análise entre os indicados a Melhor Longa Documentário?
INDICADOS
- Tudo o que Respira (Shaunak Sen, Aman Mann, Teddy Leifer)
- All the Beauty and the Bloodshed (Laura Poitras, Howard Gertler, John Lyons, Nan Goldin, Yoni Golijov)
- Vulcões: A Tragédia de Katia e Maurice Krafft (Sara Dosa, Shane Boris, Ina Fichman)
- A House Made of Splinters (Simon Lereng Wilmont, Monica Hellström)
- Navalny (Daniel Roher, Odessa Rae, Diane Becker, Melanie Miller, Shane Boris)
FAVORITO
All the Beauty and the Bloodshed
Podemos considerar esse como o principal favorito para levar a estatueta de longa documentário para casa. Afinal de contas, está/foi indicado ao Bafta, ao Independent Spirit, ao British Independent Film Awards, ao Critics Choice Documentary e ao Satellite. Além disso, se consagrou no National Board of Review (troféu Top cinco) e no prêmio da Sociedade Nacional dos Críticos de Cinema dos EUA 2023 (Melhor Filme de Não Ficção). O filme mostra luta da artista e ativista Nan Goldin para responsabilizar uma família dos Estados Unidos pela crise de opioides que transformou o país. É o tipo de filme que tem encantado a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas ultimamente, sobretudo na seara documental: alguém lutando quase sozinho contra um sistema gigante e perverso. Isso é uma garantia de vitória? Não necessariamente, mas há indícios suficientes para considerarmos esse o grande candidato a levar a estatueta dourada para casa.
AZARÃO
Navalny
Com o azarão continuamos no campo do documentário político, mas agora diretamente atrelado às esferas de poder e às conspirações. Essa produção norte-americana mostra os bastidores da efervescente teia política da Rússia, expostos pela tentativa de assassinato do ex-candidato presidencial Alexei Navalny. Um tema espinhoso, sem dúvida, mas cuja abordagem foi celebrada ao ponto de o longa-metragem figurar na seleta lista de cinco indicados ao maior prêmio de Hollywood. Indicado ao Bafta, fez bonito no Festival de Sundance 2022 (premiado como Melhor Filme pelo Júri Popular e ganhador do Troféu Favorito do Festival), além de estar indicado aos prêmios de importantes sindicatos como o PGA (produtores), DGA (diretores) e ter concorrido ao Critics Choice Documentary na categoria Melhor Direção em Documentário. Se há um filme que pode atropelar o favorito na reta final, é esse.
SURPRESA
A House Made of Splinters
Esse documentário dinamarquês foi a grande surpresa entre os indicados. Ele mostra um orfanato numa das fronteiras ucranianas em que as crianças são cuidadas por voluntários realmente preocupados com o conforto e a segurança dos pequenos desvalidos. Um tema importante, sem dúvida, de natureza humanista e humanitário de extrema urgência. Suas credenciais para estar aqui são o prêmio de Melhor Direção em Documentário no Festival de Sundance 2022 e as indicações ao Independent Spirit e ao European Film Awards. É pouco para sustentar qualquer ideia de que o filme tenha chances. No entanto, é bom não subestimarmos a capacidade do colegiado da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de nos surpreender. Mas, realmente é pouco provável que a surpresa vá além da indicação.
ESQUECIDO
O Território
É claro que iríamos puxar a brasa para a nossa sardinha. A grande ausência desta categoria foi O Território, produção internacional com sotaque brasileiro que não poderia ser mais atual. Ele aborda a ação de agricultores tomando de assalto uma área da Amazônia brasileira. Enquanto isso, um jovem líder indígena e seu mentor tentam a todo o custo proteger as riquezas naturais da floresta tropical. Num momento histórico em que boa parte dos olhos do mundo se volta à Amazônia como uma espécie de santuário a ser preservado na cruzada pela valorização das causas ambientais e climáticas seria mais do que natural que esse filme estivesse entre os cinco indicados (com com chance de vitória). Aliás, ele figurava na shortlist dos 15 semifinalistas ao Oscar, mas acabou descartado no último ponto de corte. Pois é, não foi desta vez que tivemos um filme ao menos parcialmente brasileiro como finalista. Que mancada, hein Academia?
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