Um pronunciamento de Roberto Alvim, Secretário da Cultura do governo Bolsonaro, tem provocado a indignação da classe artística e dos setores democráticos da sociedade. Nesta quinta-feira, dia 16, Alvim anunciou as diretrizes para a produção de arte no Brasil, citando frases como esta:
“Queremos uma cultura dinâmica, mas ao mesmo tempo enraizada na nobreza de nossos mitos fundantes. A pátria, a família, a coragem do povo e sua profunda ligação com Deus amparam nossas ações na criação de políticas públicas. As virtudes da fé, da lealdade, do autossacrifício e da luta contra o mal serão alçadas ao território sagrado da obra de arte”.
O conteúdo é bastante problemático em si próprio – um governo laico, como consta na Constituição, jamais poderia pautar políticas públicas pela “ligação com Deus”, enquanto a citação à “luta contra o mal” possui caráter de simplificação evidente do ataque a detratores. A escolha de uma única forma de arte permitida – conservadora e religiosa, no caso – constitui um ato de censura, uma vez que não cabe aos dirigentes escolher quais manifestações seus artistas estão autorizados a produzir.
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Mesmo assim, o vídeo choca por um aspecto ainda mais sombrio: a referência direta a discursos oficiais de Joseph Goebbles, Ministro da Propaganda de Adolf Hitler durante o regime nazista. As frases referentes à censura são diretamente retiradas da retórica nazista, enquanto a trilha sonora, uma ópera de Wagner, constitui a melodia considerada por Hitler em sua autobiografia como guia para suas conquistas.
Esta é a frase de Alvim: “A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes de nosso povo, ou então não será nada”. Este é o trecho na qual se inspira, pronunciado por Goebbels: “A arte alemã da próxima década será heroica, será ferreamente romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será nacional com grande páthos e igualmente imperativa e vinculante, ou então não será nada”.
Por mais que o governo Bolsonaro tenha se mostrado autocrático e avesso aos procedimentos democráticos, as acusações sobre a tendência “nazista” ou “fascista” dos atuais dirigentes eram consideradas exageradas por historiadores. No entanto, a citação explícita ao pensamento nazista como modelo a seguir para a cultura brasileira em 2020, em tom autoritário e ameaçador, demonstra o ataque frontal à liberdade de expressão, à diversidade de pensamento e à laicidade – estes sim, “mitos fundantes” das repúblicas modernas, ao invés da “profunda ligação com Deus” que regia as sociedades medievais.