No último dia 05 de dezembro, aconteceu na capital baiana o lançamento do projeto Salvador Black Film Festival, cuja primeira edição está prevista para ocorrer no segundo semestre de 2020. E o Papo de Cinema, a convite da Giros Filmes, esteve presente na ocasião, acompanhando de perto todos os momentos iniciais deste projeto inédito no Brasil. O Black Film Festival é uma iniciativa da Zaza Production, fundada por Fabienne Colas, e já foram realizadas edições nas cidades de Toronto e Montreal, no Canadá, além de eventos também nos Estados Unidos e no Haiti. A ideia, agora, é fortalecer parcerias importantes no país.
“Tudo começou quando o Menino 23 (2017) começou a fazer uma boa trajetória internacional. A curadora do Montreal Black Film Festival soube do filme, nos procurou, o assistiu e pediu para programá-lo. E acabamos ganhando o prêmio de Melhor Filme naquela edição. Isso fez com que a gente se aproximasse. Foi esse contato, portanto, que deu início a esse relacionamento que agora está se transformando no Salvador Black Film Festival”, revela o cineasta Belisario Franca, um dos diretores da Giros Filmes e responsável por essa aproximação ter tido início. Mas para saber como a semente de um festival de cinema e cultura voltado exclusivamente à produção de artistas afrodescendentes, falamos diretamente com a mulher que deu o primeiro passo nesse conceito, muitos anos atrás: Fabienne Colas! E ela conta desde o começo: “quando decidi migrar do Haiti para Montreal, no Canadá, era uma atriz muito conhecida no meu país. Infelizmente, quando cheguei lá, me dei conta que não havia espaço para mim. Não havia trabalho, nem no cinema, nem na televisão”. E continua: “havia trabalhado também como modelo, ganho alguns prêmios pelas minhas atuações. Estava bem estabelecida. Então pensei: “bom, vou para a América e, talvez não seja tão simples, mas certamente não será muito complicado”. Afinal, tinha alguma experiência. Mas não foi isso o que aconteceu. O que percebi foi que não havia espaço para mim, enquanto uma mulher negra. Ainda mais sendo uma imigrante, com sotaque francês e tudo mais”.
Diante desse cenário nada animador, Collas não desistiu. “O que pensei foi: vou trazer alguns filmes do Haiti, trabalhos que fiz por lá, e mostrar aqui. Assim ficarei conhecida. Para que possam me descobrir, ver o que estava acostumada a fazer e, por consequência, descobrir também que existe uma indústria de cinema no Haiti. Mas nenhum festival no Canadá se interessou por esses filmes. Ninguém queria exibi-los. Estava, portanto, sem trabalho, sem testes ou convites, sem festivais para exibir meus filmes, nada. O que poderia fazer? Uma grande tristeza me invadiu, uma falta de esperança, como se nada mais fizesse sentido. Mas também fiquei brava, porque queria fazer algo para mudar esse cenário. Só que ninguém estava interessado em me dar uma chance. Foi quando me dei conta que talvez eu mesma tivesse que criar essa oportunidade”. Nascia, assim, o Black Film Festival, como ela mesma explica: “primeiro criei a minha fundação, a Fabienne Colas Foundation, no Canadá. A nossa missão era dar vazão a essa voz, como uma plataforma para expor essa realidade. Pessoas que, como eu, estavam invisíveis para o mundo do cinema. Eu cheguei lá em 2003, e tudo isso foi criado em 2005. Desde então, já realizamos nove Black Film Festivals, e o de Salvador será o nono”, afirma com entusiasmo.
Para que isso seja possível, no entanto, será necessário encontrar os parceiros certos. A Giros Filmes foi o primeiro a ser procurado, mas outros de posição estratégica também estão sendo sondados. Um deles é o Nordeste Lab, como explica Gabriel Pires, um dos coordenadores gerais: “Estamos no trabalho de construção dessa parceria. Já tivemos uma reunião, bem boa aliás, para explicar qual é essa realidade da produção local para eles, que estão vindo de fora. Estão chegando na cidade, mas nós já estamos aqui. O Nordeste Lab existe há 5 edições. A Mostra Itinerante de Cinema Negro Mahomed Bamba já teve duas edições, o Diáspora Conecta tá indo para seu segundo ano. Ou seja, temos uma construção nessa área, de formação, de oportunidades de negócio. O Nordeste Lab existe para ajudar na estruturação de negócios no setor audiovisual. A Mostra Itinerante de Cinema Negro Mahomed Bamba pensa na questão de exibição de filmes e divulgação do cinema negro em cada cidade, e o Diáspora Conecta pensa essa formação de autores, produtores, diretores do cinema negro. Enfim, tivemos uma conversa inicial. O Nordeste Lab é uma plataforma de articulação, estamos sempre dispostos a escutar as pessoas e encontrar sinergias para fazer as coisas crescerem juntas”.
Dayane Rosário, idealizadora da Mostra Itinerante de Cinemas Negros Mahomed Bamba, deu mais detalhes: “a MIMB é uma iniciativa que não tem financiamento. Então, é importante termos parceiros que possibilitem não apenas a troca de conteúdo, mas também como potencializador do nosso festival. Quando um outro evento vem dialogar com a gente, e se mostra disposto a incentivar o nosso trabalho, a prospectar novos parceiros, isso agrega muito. Vem não só para movimentar a cultura e economia local, mas também para movimentar essa interlocução entre os realizadores da cidade”. Émerson Dindo, produtor e pesquisador da Diáspora Conecta, também revelou entusiasmo: “quando o convite veio, entendemos que era uma proposta muito interessante, pensando na cidade, nas possibilidades de articulação, na própria dinamização do cinema não só local, mas brasileiro também. É uma possiblidade importante de troca, não só com o Canadá, mas com outros polos de produção na América Latina, do Norte, e por aí vai”.
A realização do Salvador Black Film Festival servirá como uma ponte de troca para todos esses possíveis parceiros. “Acho que raras são as parcerias que são ganha-ganha, e essa tem uma possibilidade real de ser assim. É bom para o fomento da atividade nessa cidade, tem tudo a ver com a missão da fundação da Fabiene Collas e dos Black Film Festivals que ela tem feito pelo mundo. Ou seja, encaixou facilmente, trazendo para cá essa experiência dela de mais de 14 anos fazendo esses festivais e conectando todos esses realizadores afrodescendentes nos Estados Unidos, Canadá e resto do mundo, e trazendo tudo isso para cá. Ao invés de fazer uma trilha um pouco mais longa, podemos pegar um atalho aqui em Salvador. Isso pode ser o melhor para a realização desse festival no Brasil e para que dê tudo certo”, resume Belisario Franca.
“Quando nos ligaram com essa proposta, na hora pensei: “isso é fantástico”. E Salvador é a cidade onde você encontra a maior concentração de população negra em todo o Brasil. E foi a primeira capital do Brasil. É um lugar muito rico culturalmente. É uma cidade com muita história. Não poderia pensar em um lugar melhor em todo o país para começarmos. Todos os cineastas estão por aqui. E chegou a hora da Bahia, e de Salvador, de se tornarem conhecidos por outras coisas além do carnaval. Além dessas praias maravilhosas. Está na hora de se tornarem famosos também pelo cinema que aqui é feito. Por isso que estamos torcendo para trazer o mundo do cinema também para Salvador!”, finaliza Fabienne Collas, encerrando sua passagem pelo Brasil e demonstrando muita empolgação para voltar em breve.
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