O audiovisual brasileiro tem muitos desafios pela frente, especialmente na realidade atual, em que há má vontade do poder público federal com as suas continuidade e crescimento. Um dos aspectos que frequentemente vêm à mente de quem pensa alternativas ao desenvolvimento e à sustentabilidade desse setor é a distribuição. Para auxiliar o segmento, a Boulevard Filmes – produtora e distribuidora sediada na cidade de São Paulo – deu o pontapé inicial nesta segunda-feira, 18, ao workshop Desenhando Audiências: Quem São Seus Públicos?* De 18 a 29 de junho, os encontros online e gratuitos visarão expor conceitos, métodos e abordagens, possibilitando pensar estratégias sólidas de distribuição desde a origem, contando com a participação de renomadas e renomados integrantes da indústria. A aula inaugural intitulada Desenho de Audiência – Quando começa a Distribuição? contou com Marina Tarabay, profissional com amplo reconhecido conhecimento na área, que recentemente fundou a Fistaile, empresa de distribuição, design de audiência e curadoria. A mediação foi de Talita Arruda, distribuidora, pesquisadora e curadora. Como se tratava de algo inaugural, a Boulevard Filmes decidiu abrir a participação a todos que se se inscreveram na atividade (cuja íntegra terá seis aulas), não apenas aos 100 felizardos que preencheram as vagas disponíveis. O que se viu foi curiosidade e trocas.
Tudo começou com as saudações e as considerações iniciais de Leticia Friedrich, uma das sócias da Boulevard Filmes. Ela falou das intenções do workshop e enfatizou a importância de pensar a distribuição, um dos grandes gargalos do setor audiovisual brasileiro e que, mesmo assim, é pouco debatida dentro das formações na área. Letícia celebrou a diversidade da centena de selecionados para participar do workshop – cineastas, alunos, pesquisadores, roteiristas e futuros profissionais da distribuição e de desenho de audiência, entre outros perfis. Após as explicações sobre as dinâmicas, Letícia passou a palavra para Talita Arruda que corroborou a urgência de pensar o tema da distribuição em suas palavras inaugurais: “Os saberes da distribuição são aprendidos na prática, na observação. A ideia desses encontros é também ouvir quem já está trabalhando nessa área”. Em meio à apresentação de sua trajetória profissional, Marina Tarabay elogiou a atividade e a possibilidade de discutir os desenhos de audiência, bem como tudo o que diz respeito à atividade que vem ganhando aspectos de profissionalização ao longo dos últimos anos. Ao falar de sua trajetória de quase dois anos Elo Company, depois da experiência não menos enriquecedora na Vitrine Filmes, Marina citou que, no cenário atual do audiovisual brasileiro, empresas que combinam produção e distribuição formam uma tendência.
DESENHANDO AUDIÊNCIAS
“No original, foi muito falado em audience design, termo bem gringo. Então a gente traz para o português como desenho de audiência. Além de aportuguesar o termo, é essencial pensar nas adaptações dessas ferramentas de desenho de audiência à nossa realidade”. Marina contou que seu primeiro contato com o conceito foi no BrLab – laboratório anual dedicado a futuros filmes em fases distintas de desenvolvimento. “Essa ideia de trabalhar cada filme e cada audiência de maneira personalizada, colocando a audiência no centro das decisões, era algo discutido nesses laboratórios”, seguiu Marina. Portanto, o que é o desenho de audiência? Marina trouxe uma definição proposta por ela e sua equipe da empresa Fistaile: “Uma metodologia colaborativa que aproxima a distribuição da produção para trabalhar as audiências desde a etapa de desenvolvimento dos projetos audiovisuais. Utilizando um conjunto de ferramentas, analisamos narrativa, perfil e contexto do projeto – em diálogo com as mudanças de mercado – inspirando a distribuição futura”. Marina continuou a explanação afirmando que, na sua forma tradicional, o mercado brasileiro não prevê uma aproximação inicial entre produção e distribuição, sendo essas etapas praticamente autônomas. E que o desenho de audiências é uma metodologia para aproximar essas duas etapas, com o intuito vital de gerar resultados melhores e mais efetivos.
Marina Tarabay citou a necessidade de aproveitar o desenho de audiência nas etapas iniciais dos projetos audioviosuais, de não perpetuar a ideia de que a distribuição surge somente depois de filmes e séries estarem prontos. “O desenho de audiência mexe com o projeto como um todo, tem a ver com a sua essência, com o seu coração. Precisamos estar livres para mexer no projeto como um todo. Se ele já está pronto, tinindo para ir à rua, temos muito pouco espaço de manobra estratégica”. Ela enfatizou que as consultorias de desenho de audiência precisam ser multidisciplinares e sem espaços para noções cartesianas de certo e errado, mas com terrenos para preservar a integridade de diversos ângulos de observação. Marina citou o conceito de Design Thinking, muito falado nos últimos anos num âmbito internacional e que trata de “buscar soluções para problemas de forma colaborativa e coletiva, dentro de uma perspectiva de empatia e escuta com as audiências, tendo sempre as pessoas no centro do processo”. A palestrante relacionou Design Thinking e teoria sociolinguística – ramo que estuda a relação entre língua e sociedade. Uma das coisas mais reiteradas nessa aula inaugural do workshop Desenhando Audiências: Quem São Seus Públicos? foi justamente a concepção do começo do processo de distribuição, que não deve acontecer com o filme ou a série prontos. O desenho das audiências será muito mais eficaz e certeiro se acompanhar o projeto desde suas etapas iniciais.
“Será que a distribuição começa em algum momento ou é inerente ao projeto, desde o começo?”, provocou Marina. A profissional sinalizou que atualmente a relação entre produtora e distribuidora pode até ser inicial, mas muitas vezes acontece apenas num nível burocrático, de contrato previamente firmado, mas não prevê uma colaboração estratégica. “Acredito que esse pensamento sobre audiências e públicos-alvo precise acontecer ao longo de todo o processo de feitura do filme. O desenho de audiência é uma das formas de fazer isso, não a única, mas uma das possibilidades”, arrematou Marina. “Fiquei bem feliz de ver roteiristas, realizadoras aqui presentes, pois, às vezes, esse olhar mais voltado para o marketing, digamos, um olhar mais capitalista para a indústria, acaba afastando e desencorajando essas pessoas que podem trazer esses saberes para o projeto. Mas, na verdade, essas são ferramentas que abraçam a construção dos filmes, suportes adicionais para que o projeto alcance o objetivo de todo mundo, que seja visto e dialogue com as pessoas. É sobre marketing, mas também sobre narrativa e colaboração (…) o desenho de audiência vem para respeitar a natureza de cada projeto. Não é sobre tornar todos os projetos em blockbusters”. Marina continuou sinalizando que essa ferramenta serve para criar diálogos entre várias camadas e agentes de mercado, de produtoras, passando por laboratórios e festivais, chegando às distribuidoras. Essas pontes foram ressaltadas como vitais.
“Entender a realidade de todos os agentes do mercado, as demandas de cada um deles, é uma forma de preparar projetos para atender a certas necessidades dentro de realidades específicas”, defendeu Marina que, logo depois, trouxe como case de atuação a distribuição do longa-metragem Cabeça de Nêgo (2021) – cuja estratégia de disseminação contou com uma rede de agentes educacionais que organizou sessões em escolas e outros espaços além das salas de cinema tradicionais, ou seja, atendendo a objetivos específicos do filme enquanto agente de provocação. Logo depois, Marina detalhou algumas dinâmicas de trabalho, como a atuação nos laboratórios internacionais de desenvolvimento, consultorias em várias frentes (com metas bastante específicas), e estudo de Big Data (o uso dos dados a serviço da distribuição). “O desenho de audiência é um método qualitativo. Ele não usa números, não tem certos e errados, não contempla exatidão, mas imersão, colaboração e múltiplos olhares. Por isso mesmo é interessante contar com uma consultoria de Big Data, justamente por se tratar de um método com ferramentas que funcionam quase como contrapontos, ou seja, dão mais pano para a manga”, completou Marina. Ela continuou dizendo que é comum os criadores terem receio das influências, mas fez questão de dizer que quem determina isso são os criadores dos projetos.
QUESTÕES
Os virtualmente presentes no workshop Desenhando Audiências: Quem São Seus Públicos? tiveram voz e vez para colocar questões. Uma das mais interessantes, inicialmente, foi a que indagou a respeito do diálogo entre o desenho de audiência e os métodos tradicionais das distribuidoras. ”Enfrentamos inúmeras mudanças. A distribuição ganhou importância justamente quando deixou de ser engessada (…) os saberes tradicionais estão sendo revistos, mas obviamente nada muda drasticamente do dia para a noite. Muita coisa está diferente, mas muita coisa permaneceu (…) às vezes trazemos informações novas, como por exemplo o acesso a certas redes comerciais de shopping”, disse Marina. Talita Arruda continuou trazendo questões dos presentes no workshop, aqui sinalizadas com o resumo de suas respectivas respostas oferecidas por Marina Tarabay. Discrepâncias entre orçamentos de produção e distribuição: “É um desafio. Ter dinheiro para fazer filmes é um desafio e para pensar melhor uma distribuição é mais ainda. O tempo que temos para produzir e o tempo que temos para distribuir são realmente discrepantes”. O Big Data e suas métricas específicas em consultorias: “O Big Data são dados que circulam e que precisam ser minerados (…) a publicidade tem trabalhado cada vez menos com espaços fixos e lidando com mídia programática (…) ignorar a existência dessas ferramentas talvez não seja o melhor caminho. Mas, como fazer uso delas em prol de melhores restados?”.
Desenho de audiência em documentários ou em projetos de pequeno porte, tais como curtas: “Sentimos que o desenho de audiência pode ir até além do audiovisual. Estamos loucas para fazer consultoria para games, livros, afinal de contas se trata de pensar narrativa. Certamente é um conjunto de ferramentas que serve para esses outros formatos”. Novas formas versus velhas formas de distribuição: “O que o desenho de audiência faz não é exatamente pegar coisas que não funcionam e simplesmente substitui-las. A proposta é melhorar o trabalho da distribuição, é alinhar expectativas, é a construção de um projeto mais sólido. Então, nem sempre se trata de uma melhoria da distribuição, mas de uma melhoria do projeto em si. Era comum recebemos um filme com características A atreladas a um desejo de produção de dialogar com os públicos X, Y e Z. Muitas vezes o trabalho da distribuidora era tentar fazer uma magia com isso”. Profissionais do projeto que devem participar do desenho de audiência: “As equipes de desenho de audiência têm tamanhos e composições variáveis. Geralmente, quem está envolvido diretamente no projeto, como roteirista, produtor(a) e diretor(a). Em alguns casos a distribuidora esteve junto. São essas pessoas que estão diretamente ligadas ao projeto como um todo”. Portanto, esse foi um relato resumido da aula inaugural do workshop Desenhando Audiências: Quem São Seus Públicos?. Continue conferindo no Papo de Cinema o resultado das demais aulas da iniciativa.
*Projeto realizado com o apoio do ProAC Expresso Lei Aldir Blanc
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