A segunda aula do workshop Desenhando Audiências: Quem São Seus Públicos? aprofundou um assunto constantemente citado no encontro inaugural (cujo relato você pode ler na íntegra clicando aqui): a necessidade de produção e distribuição dialogarem desde muito cedo. Após a apresentação de Talita Arruda (uma das curadoras do wokshop) e com a mediação de Letícia Friederich (coordenadora do workshop), os participantes da atividade puderam ouvir os relatos e as experiências de dois profissionais com larga experiência de mercado: Felipe Lopes, da Vitrine Filmes, e Paula Gomes, da Olhar Distribuição. Antes de passar a palavra aos convidados, Letícia comentou sobre a existência da ANDAI – Associação Nacional Distribuidores Audiovisual Independente, entidade composta de 20 distribuidoras brasileiras. Paula e Felipe fizeram pequenas explanações iniciais sobre as formas de atuação das respectivas empresas onde atuam no mercado de distribuição, além de saudar os organizadores do workshop pela iniciativa de uma jornada de fôlego para discutir algo tão importante quanto a distribuição cinematográfica no Brasil. “É mais proveitoso nos ajudarmos do que olharmos uns para os outros basicamente como concorrência”, disse Felipe ao defender que, embora sejam empresas com atuações e objetivos individuais, as distribuidoras dedicadas aos independentes são do mesmo segmento.
Ainda durante sua explanação inicial, Felipe citou a estratégia da Vitrine Filmes de criar um braço dedicado a trabalhar com obras de potencial mais nitidamente comercial, a Manequim, e o que levou a empresa a isso: “Vem muito do momento que vivemos. Todo mundo cita a pandemia, mas antes dela houve a eleição do Jair Bolsonaro, presidente que não apoia a cultura do país e que a vê como vilã, o que é uma loucura. Com isso perdemos uma série de incentivos para o setor. Há uma estagnação das políticas públicas na ANCINE”. Dentro do roteiro traçado para a conversa, surgiram as primeiras perguntas norteadoras: o que devo fazer para lançar meu longa-metragem? Quando, onde e como faço contato com a distribuidora? “Temos várias portas de entrada na Olhar, desde o formulário do site até o contato direto com as pessoas responsáveis. E, claro, há também uma busca ativa por projetos em festivais e mercados. No entanto, isso é cada vez mais difícil, pois como as políticas públicas exigem que os projetos estejam atrelados a uma distribuidora, atualmente poucos deles chegam à etapa de festivais sem distribuidora”, respondeu Paula. Letícia acrescentou a importância de os produtores pesquisarem as distribuidoras atuantes no mercado a fim de localizar um perfil que melhor se adeque às necessidades de seus projetos, aos anseios que eles têm quanto ao êxito da carreira comercial: “Achamos muito legal quando alguém nos procura por vários trabalhos anteriores que fizemos”.
ENTRAR O QUANTO ANTES NO PROJETO
“Sentimos realmente a necessidade de entrar o quanto antes no projeto, queremos estar no desenvolvimento, pensando ativamente junto com que tipos de públicos os filmes pretendem dialogar”, citou Paula, reforçando que cada desejo aponta a caminhos completamente diferentes, isso mercadologicamente falando. “Concordo com Paula. O quanto antes a distribuição entrar no circuito, melhor. Muitas vezes entramos no projeto antes do roteiro, o que vem sendo uma prática usual de mercado. Não somos de interferir, mas oferecemos caminhos pensando nas estratégias de comercialização do filme (…) a distribuidora não atua somente para levar os filmes aos cinemas, pois trabalhamos com todas as telas. E essa atuação é cada vez mais estratégica. Não pegamos um filme apenas visando a sala de cinema, isso não é mais financeiramente viável”, completou Felipe. O sócio da Vitrine Filmes ressaltou a necessidade de pensar mecanismos de divulgação que sejam eficientes e direcionados, parte de uma atuação conjunta com assessoria de imprensa e outras ferramentas comunicacionais. “Então, claro que o quanto antes entrarmos nos processos, melhor, pois aí conseguimos traçar essas estratégias”, completou Felipe. E ele arrematou sua fala nesse bloco ressaltando a extrema importância de estabelecer contatos e redes nessa área: “Atualmente, há um ambiente empresarial que facilita esses contatos, tais como rodadas de negócios, eventos corporativos, rodadas de pitching, etc.”.
Felipe Lopes enfatizou reiteradamente a necessidade de ter clareza e consistência na hora de apresentar os projetos a uma distribuidora, pois isso será fundamental à empresa se interessar em estabelecer uma parceria de colaboração com produtores e cineastas. “Além das questões artísticas, das referências, dos talentos envolvidos, é fundamental oferecer os pontos pragmáticos do projeto: o orçamento e o plano de financiamento, até para conseguirmos avaliar melhor se o projeto é viável. Às vezes há projetos artisticamente incríveis, mas que apresentam empecilhos do ponto de vista mercadológico. Uma primeira direção de longa-metragem que custa R$ 8 milhões será muito difícil de acontecer, pois existem lógicas de financiamento que o limitam, por exemplo”. Paula Gomes corroborou o que o colega falou, especialmente no sentido da necessidade de os projetos serem submetidos ao distribuidor de uma forma consistente e clara: “Na hora de escrever é preciso pensar que o outro, no avaliador, tem de entrar na sua cabeça, sobretudo quando se trata de um primeiro longa, quando não temos referências sobre trabalhos anteriores. Você tem de imaginar que está dialogando com um leigo e saber que geralmente está tentando contato com quem fundamentalmente possui pouco tempo (risos)”.
MODELOS DE NEGÓCIO
Antes de abordar especificamente os modelos de negócios explorados por suas respectivas empresas, Felipe, Paula e Letícia sinalizaram uma situação relevante dentro da dinâmica da apresentação dos projetos: a enxurrada de demandas quando abrem determinados editais. Os três concordaram que esse tipo de oferta massiva prejudica o processo de avaliação, pois em pouquíssimo tempo chegam literalmente centenas de propostas que, às vezes, precisam ser ponderadas num período escasso demais. Por isso, a importância de pensar a relação com a distribuidora não enquanto algo protocolar, mas a ser construído o quanto antes. “Apenas sermos abordados por conta da abertura de editais, dentro da perspectiva burocrática, é um erro enorme de produtores/realizadores”, disse Letícia. Felipe trouxe números para enriquecer o papo sobre modelos: “A Vitrine Filmes tem uma estrutura boa, com 25 pessoas, um fluxo de caixa saudável, e geralmente trabalhamos com o adiantamento do orçamento de distribuição. Aí fazemos uma análise de risco. De agosto de 2020 até agora foram lançados mais de 300 filmes brasileiros. A quantos vocês viram nos cinemas? Apenas 10 desses filmes passaram de 35 mil espectadores e todos foram lançados em mais de 200 salas. O hábito de consumo tem mudado muito. Sobre o mercado de streaming, ninguém tem esses dados. Se licenciamos atualmente um filme para streaming, preciso fazer ele não ‘sumir’ para que não prejudique o seu segmento”.
“As majors (os grandes estúdios norte-americanos) geralmente gastam mais em marketing do que no orçamento do filme. Então, é difícil pensar, por exemplo, em trabalhar com um longa que custou R$ 3 milhões e que tem apenas R$ 200 mil para trabalhar a divulgação”, ponderou Paula, deixando no ar o questionamento de como equilibrar a balança. “Atualmente, com a inflação que vivemos, o panorama ficou ainda mais complexo. Um filme de R$ 3 milhões é considerado de baixo orçamento. Temos lançado filmes em 50 salas com R$ 200 mil, valor que anteriormente era destinado para um lançamento em 10 salas simultâneas”, sinalizou Felipe. A mediadora e os convidados seguiram a toada, destrinchando modelos de negócios e atribuições, enfatizando a necessidade de trabalhar aspectos promocionais – trailer, cartaz, banner, eventos de pré-estreia, gestão e produção de conteúdo para redes sociais, etc. “Precisamos alcançar pessoas em vários territórios do Brasil e com um orçamento muito menor do que os filmes de super-heróis têm para trabalhar os aspectos e ferramentas de marketing (…) A assessoria de imprensa é fundamental”, sentenciou Felipe. “Quando você vai falar com redes de exibição grandes, há o questionamento sobre o nosso P&A (print and advertising, impressão das cópias do filme e a propaganda para lançá-lo), e isso geralmente é determinante ao todo”, complementou Letícia.
Na sequência, Felipe e Paula conversaram brevemente sobre o conceito variável que têm de um lançamento de sucesso. “Quando trabalhamos com primeiro longa, costumamos perguntar o que o produtor quer. Se for ver o investimento financeiro voltar, lançamos em três salas e deixamos lá por muito tempo. Se for repercussão, para ter um retorno de projeção visando um segundo filme, a estratégia é completamente diferente”, disse Paula. Letícia então trouxe uma provocação: como distribuir no pós-pandemia, com mudanças drásticas de cenário? “Nesse cenário, buscamos soluções por instinto de sobrevivência (…) e o livre mercado é uma falácia. Quem em 2022 ainda acha que o livre mercado dá conta de tudo? Vamos quebrar um pouco esses jargões sobre livre mercado. O que precisamos é de regulamentações para equilibrar esses mercados. Estamos pensando em fazer algo mais saudável que não prejudique o mercado”, enfatizou Felipe. Paula concordou com o colega e acrescentou: “Precisamos discutir modelos que nos contemplem enquanto brasileiros. É preciso escutar todos, principalmente os pequenos e não apenas os lobistas. Não temos poder econômico para fazer lobby. A crise nos força a repensar modelos, algo que não está acontecendo apenas no nível brasileiro. Essa crise se apresenta em todos os outros mercados, mas aqui temos crise política e previsão de recessões”.
QUESTÕES
Os virtualmente presentes no workshop Desenhando Audiências: Quem São Seus Públicos? tiveram voz e vez para colocar seus questionamentos. Letícia Friederich abriu espaço para as dúvidas dos participantes. E elas geralmente foram indagações bastante específicas sobre a utilização do P&A e números utilizados por Paula e Felipe como exemplos de que há um desequilíbrio abissal entre o produto estrangeiro, especialmente os filmes de super-heróis, e os filmes brasileiros que precisam disputar espaço com armas e verbas bem desproporcionais. Os dois convidados explanaram questões de ordem técnica e fizeram suas considerações finais, entre elas, agradecendo a organização do workshop pela oportunidade de discutir essas pautas.
Projeto realizado com o apoio do ProAC Expresso Lei Aldir Blanc
:: CONFIRA AQUI O ARTIGO SOBRE A PRIMEIRA AULA DO WORKSHOP ::
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