A terceira aula do workshop Desenhando Audiências: Quem São Seus Públicos? teve como tema central laboratórios e mercados de negócios, esses espaços de intercâmbio fundamentais para encontrar parceiros e muitas vezes viabilizar produções. As apresentações iniciais foram feitas por Letícia Friederich, sócia da Boulevard Filmes, empresa que idealizou e organiza o workshop. E essa terceira jornada contou com a mediação de Vania Lima, produtora baiana, conselheira da BRAVi – Brasil Audiovisual Independente, e as presenças de Rafael Sampaio, organizador do BrLab, um dos principais (até por ser pioneiro) laboratórios de cinema do Brasil, e Rossana Giesteira, distribuidora de impacto que representou a Doc Society. Vania começou sua fala discorrendo brevemente sobre a atuação como distribuidora, inicialmente atendendo a televisão, atividade que teve salto quantitativo com a chamada Lei do Cabo (lei nº 8.977/1995). Vania ressaltou que os ambientes consagrados ao mercado (laboratórios, rodadas de negócios, etc.) sempre foram encarados pela Tem Dendê (produtora da qual é diretora de conteúdo) como oportunidades imprescindíveis para negociar com interessados que não estavam situados na região nordeste. Ao longo dos tempos, a empresa incorporou a presença em ambientes de mercado à rotina de trabalho – inclusive, atualmente, com uma pessoa dedicada apenas ao mapeamento e à viabilização da participação da empresa em eventos nacionais e internacionais.
Vania ponderou, ainda, que eventos de mercado são essenciais para quem está distante do eixo Rio-SP: “Odeio quando as pessoas dizem ‘fora do eixo’. Não estou fora de nada, estou distante do eixo, é bem diferente (…) outra coisa que é muito importante compreender: não existe um mercado audiovisual brasileiro, mas sim vários. Há mercados locais, regionais, macrorregionais, internacionais, independentes, voltados à TV aberta, etc. Portanto, há vários mercados”. Vania sublinhou o papel dos laboratórios de roteiro à construção de uma lógica estratégica que incorpore olhares externos a fim de enriquecer projetos desde as suas etapas embrionárias: “Quando vamos para laboratórios, saímos da bolha. É necessário estar preparado para efetivamente sair da bolha, pois os retornos nem sempre são positivos. Entendemos que os laboratórios são necessários para melhorarmos nossos projetos em certos mercados (…) um avanço de pensamento nesse sentido é a atual vastidão de laboratórios, não somente de um”. Logo depois das considerações iniciais da mediadora, a palavra foi passada para Rafael Sampaio. “Os laboratórios e mercados nascem dentro de festivais de cinema (…) O BrLab também nasceu dentro de um festival e dessa vontade de ser algo internacional, de contribuir para a geração de laços e vínculos produtivos (…) nossa função é também marcar a nossa cinematografia em outros países e garantir a afirmação da memória. Para isso que espaços de mercado existem”.
Rafael compartilhou com os virtualmente presentes um exemplo de sua atuação como produtor numa retrospectiva brasileira da obra do cineasta francês Chris Marker e alguns materiais sobre a importância dos festivais de cinema como locais de encontros e criação de ecossistemas – e esse será o tema principal da quarta aula do workshop Desenhando Audiências: Quem São Seus Públicos?. Rafael forneceu exemplos de eventos de mercado ligados a festivais internacionais, como os de Berlim, Cannes, Veneza, Telluride, Sundance, entre muitos outros. “Esses espaços de mercado deveriam ser compreendidos como as nossas primeiras audiências. Do ponto de vista artístico, é a primeira vez que alguém de fora vai ler e dizer como se sentiu. E isso muitas vezes é valioso no processo criativo. Do ponto de vista da produção, são os contatos iniciais que podem ser fundamentais para montar estratégias de financiamento”, continuou Rafael em sua explanação, na qual revelou que há um projeto contemplado no primeiro BrLab (que aconteceu há 12 anos) que somente agora está em processo de montagem, com isso lançando luz sobre a demora indicativa dos desafios impostos a uma indústria economicamente periférica como a nossa. Para encerrar a sua fala, Rafael reiterou a urgência de compreender profundamente os laboratórios como audiências e valorizar os laços estreitados ou consolidados nessas ocasiões.
Rossana Giesteira, chamada carinhosamente pela mediadora Vania de “musa da distribuição de impacto”, começou a sua fala concordando com as colocações de Rafael sobre a necessidade de compreender ocasiões de mercado como as primeiras audiências e sublinhou a comunicação: “Está mais do que na hora de encarar a comunicação como ferramenta estratégia (…) a comunicação é estratégia, mas a utilizam como instrumental. Quando há pressões para resolver questões, mas dentro da lógica que encara a comunicação como instrumental, você nem tem tempo de fazer mágica. É importante pensar a comunicação desde o início. Quando falamos que nas produções estrangeiras há X verba para comunicação e que no Brasil é muito diferente, também é porque eles compreendem comunicação como algo estratégico e não como algo instrumental”. Rossana comentou sua passagem da gestão de mídia em ambientes corporativos no ramo de telecomunicações à área audiovisual – que ela tinha acessado anteriormente quando existia a necessidade de interfaces entre telecomunicação e audiovisual. Entrando especificamente no tópico “Distribuição de Impacto”, Rossana conceituou: “Conjunto de ações que otimizam os recursos da distribuição comercial de um projeto e garante que o filme chegue nas audiências certas que dialogam com as temáticas do filme. É uma maneira de trabalhar a cauda longa da distribuição de um filme de forma planejada e intencionada no propósito social”.
Rossana convidou Julia Gallego, membro do DOCSP (produtora de impacto social e cultural focada no desenvolvimento no ramo audiovisual) para contar um pouco sobre a experiência da empresa especificamente dentro dessa seara. “É muito legal puxar uma das falas da Vania sobre a diversidade de mercados existentes, cada um com o seu ecossistema específico, e o DOCSP traz essa experiência do documentário”, disse a convidada que esmiuçou um pouco a atuação do DOCSP, inclusive num intercâmbio com outros laboratórios mundiais voltados especificamente ao documentário. Dentro do DOCSP começou a discussão sobre distribuição de impacto para o âmbito documental e foi criado o Docimpacto, programa de formação e distribuição de documentários de impacto. Essa iniciativa foi crescendo e gerou o Good Pitch Brasil, programa internacional de formação e construção de redes que conecta os melhores documentários de impacto com agentes de transformação social, ainda de acordo com Júlia em sua breve, mas esclarecedora apresentação. Ao retomar a palavra. Rossana disse que essas campanhas de comunicação precisam também promover mudanças sociais, senão estaríamos falando simplesmente de estratégias de comunicação e não estritamente de campanhas de impacto. “Desenhamos as campanas de impacto com as equipes e depois entramos numa outra fase, a da mobilização de engajamento, da busca de parceiros, do mapeamento do mercado, com o intuito de amplificar as ações desenhadas, parte vital do processo, que particularmente adoro”.
QUESTÕES
Vania propôs um par de questionamentos instigantes aos convidados: como pensar esse lugar do laboratório como algo que pode potencializar esses projetos? Como vocês avaliam isso para os tópicos do financiamento e da distribuição? “Os laboratórios contribuem, primeiramente, numa lógica dialética. Nesse processo de encontrar gente e apresentar projetos, temos contato com várias subjetividades e é importante ter um entendimento muito claro do que se quer. O querer pode mudar ao longo do projeto, claro. Esses espaços de troca devem enriquecer o processo artístico de desenvolvimento e os processos estratégicos”, afirmou Rafael. “No DOCSP temos a preocupação de criar realmente um ecossistema acolhedor para receber esses projetos documentais em desenvolvimento e propiciar espaços efetivos de troca e informação para compreendemos o coração dos projetos. O olhar precisa ser cuidadoso para dimensionarmos o projeto em sua totalidade. Uma vez que chegamos ao coração do projeto, aí sim podemos pensar na construção da audiência. Começamos com um vínculo para chegar nesse coração (…) os espaços de negócios precisam ser também afetivos e acolhedores para que os artistas tenham a liberdade, inclusive, de mudar os seus projetos em meio a essa troca efetiva e rica de ideia com pessoas que têm perspectivas e pensamentos completamente diferentes”, comentou Rossana.
Outra questão proposta por Vania dentro da terceira aula do workshop Desenhando Audiências: Quem São Seus Públicos? foi sobre a transformação pelas quais os mercados audiovisuais estão passando atualmente: como vocês que estão nessa cadeia conseguem, ou não, se conectar com essas mudanças? “Estamos aprendendo, primeiro, a lidar com a dinâmica dos quadradinhos na tela. Há um movimento híbrido. Como você consegue fazer a interseção entre real e digital? Aprendemos a lidar com o digital rapidamente e estou muito atenta à democratização nesse processo, mas esses formatos de integração de tela vieram para ficar. O grande desafio, voltando à comunicação, é saber como construímos relações a partir disso (…) esse formato híbrido é interessante. As dinâmicas presenciais têm um aterramento e é fundamental a troca presencial, física, inclusive a experiência de assistir a filmes coletivamente. Mas, não descartaria o on-line até como forma de democratizar a informação e o acesso a laboratórios e outros instrumentos”, disse Rossana. Rafael também ponderou positivamente o ambiente novo: “Encaro essas mudanças com muito entusiasmo, mas certo cuidado. O BrLab tem quatro workshops e neles discutimos muito as mudanças e os modelos (…) essa questão é complexa. Incorporar transformações à medida que elas estão acontecendo pode trazer certa insegurança na construção e formação de novos profissionais (…) as decorrências da pandemia nos trouxeram muitos aprendizados (…) estou atento, inquieto e querendo sempre melhorar”.
Projeto realizado com o apoio do ProAC Expresso Lei Aldir Blanc
:: CONFIRA AQUI O ARTIGO SOBRE A PRIMEIRA AULA DO WORKSHOP ::
:: CONFIRA AQUI O ARTIGO SOBRE A SEGUNDA AULA DO WORKSHOP ::
Últimos artigos deMarcelo Müller (Ver Tudo)
- Opinião :: Alain Delon, o mito homenageado no Festival Varilux 2024 - 13 de novembro de 2024
- Daaaaaalí! - 13 de novembro de 2024
- Festival de Cinema Italiano no Brasil 2024 :: Abertura conta com personalidades, autoridades e exibição de Romeu é Julieta - 13 de novembro de 2024
Deixe um comentário