Crítica


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Sinopse

Cadu é um advogado dedicado que preza pela verdade e pela justiça acima de tudo. Com uma esposa grávida do seu segundo filho e recentemente desempregado, ele vê sua vida mudar completamente quando é acusado e condenado à prisão após ser confundido com o maior traficante de drogas do Brasil.

Crítica

Talvez o problema seja você”, diz a esposa, num acesso de fúria. Ela logo se arrepende, mas não rápido o bastante para fazer com que Cadu, seu marido, consiga esquecer o que acabou de ouvir. E ela não é a única a pensar dessa forma, é o que ele logo percebe. Os pedreiros que estão fazendo uma obra na casa dele também deixam claro que o veem como alguém que pode ser “enrolado”, assim como o seu patrão, que está cansado da sua demora por não conseguir lidar com o ‘jeitinho brasileiro’. Cadu, afinal, é um advogado, homem correto, que sempre se orgulhou e prezou pela retidão. Porém, é alguém que passa o dia tendo que lidar com outros profissionais como ele, muitos não tão ‘corretos’, por assim dizer. Mas se até então esse era um problema menor, com o qual vinha lidando de um jeito, ou de outro, tudo parece mudar de vez quando o teto, literalmente, desaba sobre sua cabeça. Assim é o início de 1 Contra Todos, série que começa claramente inspirada em sucessos internacionais como Breaking Bad (2008-2013) ou Prison Break (2005-2017), mas aos poucos vai ganhando contornos cada vez mais verde-e-amarelos, por assim dizer. O que é um ótimo sinal, aliás.

O que acontece é que, de tanto dar ‘mole’, Cadu acaba sofrendo o maior golpe da sua vida. Os obreiros, homens que mal conhecia, esconderam cerca de uma tonelada de maconha no teto da sua casa. E como estavam sendo vigiados, a polícia logo desconfiou de algo errado, e na primeira batida descobriu o que havia ocorrido. Mas como o dono do imóvel poderia não estar a par do que lá se encontrava? Portanto, de nada adianta seus brados de “sou inocente”. Ele acaba preso, com todo o estardalhaço midiático a que tem direito – afinal, não é qualquer dia que polícia brasileira consegue uma apreensão tão volumosa. Ao chegar na cadeia, Cadu passa a ser conhecido como o ‘Doutor do Tráfico’. E se ele nada sabia a respeito dessa situação, agora terá que aprender como fingir que é, de fato, aquele que os outros pensam sobre ele. Afinal, se não for, de nada sua vida valerá do lado de lá das grades.

Mas ele não está nessa sozinho. Ao mesmo tempo em que sofre na prisão, sua esposa sente o mesmo desespero em liberdade. Isso porque dela dependem não apenas o filho pequeno, mas também o caçula, que carrega ainda na barriga. A única pessoa com quem pode contar, agora, é o pai. O interessante é que, ao contrário do que normalmente se vê em situações como as aqui descritas, a família em nenhum momento (bom, quase nunca) se coloca contra o protagonista. Eles não duvidam de sua inocência, nem mesmo o sogro. Essa coesão familiar permitirá um esteio de segurança que caberá bem na construção das nuances desse personagem. Pois sabemos que ele não é culpado do que o acusam. Essa não é uma história de mistério, um whodunit qualquer, que basta resolver um mistério para que tudo mais seja esclarecido. O drama é muito mais pessoal. Pois Cadu – e essa família, afinal – quando o conhecemos pela primeira vez, é um. Bem diferente, portanto, daquele na qual vai se transformando.

A primeira temporada de 1 Contra Todos conta com oito episódios, de 35 a 45 minutos cada um. Se no de estreia, “A Justiça é Cega”, Cadu passa rapidamente das ruas para o encarceramento, os seis seguintes se ocuparão do dia a dia dele atrás das grades. O relacionamento com o diretor do presídio, os colegas de cela, a luta pelo poder interno, como irá se impor diante dos demais e manter a farsa pela qual é visto pelos outros, os laços fieis que começa a estabelecer e os que dele desconfiam de imediato. Mas não apenas isso, mas também como Malu, sua mulher e companheira, irá lidar com essa situação e o que se verá tendo que fazer para manter a família unida. Há ainda Jonas, o único policial que parece suspeitar de que, talvez, esteja falando a verdade e alheio a tudo o que o acusam. E, por fim, Pepe, o real “doutor”, quem cometeu os crimes que o outro levou a culpa. O aguardado encontro dos dois, no episódio Dr x Dr (T01 E05), é, indiscutivelmente, um dos pontos altos desse ano.

Colabora muito para o bom resultado de 1 Contra Todos o bom elenco reunido. Pra começar, Julio Andrade oferece uma atuação superlativa como o protagonista. Ele convence como o tolo inocente, mas também como o mafioso em ascensão. É fácil acreditar nele quando impõe medo, e da mesma forma quando é ele que está passando por esse sentimento. Julia Ianina (Carandiru, 2003), como Malu, é, provavelmente, a maior revelação. Adriano Garib (Magnífica 70, 2015-2018), é uma verdadeira força, amedrontador e covarde, perfeito como o oficial corrupto e vingativo. Roberto Birindelli, como Pepe, tem em mãos uma figura característica, que poderia facilmente cair no escracho e exagero, mas com a qual ele habilmente cria uma presença hipnotizante. Se o saudoso Caio Junqueira é eficiente no pouco que lhe é dedicado como Jonas, é importante destacar ainda outros personagens da prisão – Thogun Teixeira, Silvio Guindane (irreconhecível), Sacha Bali, Adélio Lima, Roney Villela – e, por fim, mas não por menos, um incrível Stepan Nercessian, que entrega o apresentador sensacionalista de televisão mais deplorável da ficção (pois na realidade eles parecem se reproduzir aos borbotões) desde o Fortunato de André Mattos em Tropa de Elite 2 (2010).

1 Contra Todos pode ser visto como uma história independente, dividida em oito capítulos, pois assim foi pensada como tal. Todas as portas abertas no começo, vão sendo progressivamente cobertas, até se fecharem na esperada conclusão. Por outro lado, os realizadores – entre eles, Breno Silveira, diretor de sucessos populares como 2 Filhos de Francisco (2005) e Gonzaga: De Pai pra Filho (2012) – souberam com eficiência plantar as sementes necessárias para novos e futuros desdobramentos. E estes acabaram acontecendo, graças à receptividade que o projeto teve, tanto de público, como de crítica. Cadu, assim como aqueles que o acompanham – independente do lado da câmera em que se encontre – é uma nova pessoa após trilhar esse caminho. Se melhor ou pior, somente o tempo poderá dizer. Até esse ponto, ao menos, foi possível perceber o preço de cada uma das suas ações, da fragilidade das convicções que até então o guiavam, e como o poder transformador do dinheiro pode inebriar qualquer um. Tem-se, portanto, uma série de ação, mas repleta de conteúdo que permita uma reflexão mais profunda. Uma combinação rara, mas não excludente – aliás, muito pelo contrário. Felizmente.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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