Crítica


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Sinopse

Cadu conseguiu sair de trás das grades, mas ainda não retomou sua vida. Ninguém lhe dá emprego, e o desespero familiar cresce a cada dia. Tudo começa a mudar quando recebe uma ajuda inesperada. Logo, surge a oportunidade de se candidatar a deputado federal. Porém, ao chegar em Brasília, rapidamente percebe ter caído numa nova prisão.

Crítica

A primeira temporada de 1 Contra Todos se mostrou um marco para a televisão brasileira. Uma série coesa, compondo uma jornada completa em apenas 8 episódios de não muito mais do que 30 minutos cada, que ainda conseguiu oferecer um personagem marcante e envolvente, o protagonista vivido com garra e incrível miríade de possibilidades por Júlio Andrade. Como Cadu Fortuna, o advogado idealista que é levado contra sua vontade a um mundo de contravenção – e não apenas consegue sobreviver diante dessa realidade que lhe era estranha, como se sai surpreendentemente bem frente aos novos desafios que lhes são propostos – Andrade mostra o quanto as grandes emissoras estão despreparadas para um talento como o seu, tão distante do lugar comum. Ou, ao menos, estavam, pois foi logo após o sucesso dessa empreitada que o mesmo artista foi aproveitado pela maior rede nacional em um programa diferente, mas ainda assim intenso e repleto de revelações, por mais que transite por ambientes já conhecidos: Sob Pressão (2017-2020), seriado que assim como esse também chegou à sua quarta temporada. Julinho, como é conhecido pelos colegas e amigos, construiu sua carreira na tela grande, mas foi através desses dois shows que foi, finalmente, revelado aos espectadores de todo o país – e do mundo.

No ano de estreia de 1 Contra Todos, a impressão provocada pelo título era concretizada pelo que se acompanhava em cena. Uma batida policial descobre uma quantidade impressionante de maconha na casa de Cadu, o que o leva a ser preso, além de se tornar um tipo de celebridade midiática, visto pela imprensa como o bandido mais audacioso a já ter pisado naquela pequena cidade do interior paulista. Acontece que ele não tinha o menor envolvimento com as drogas, que haviam sido escondidas no telhado pelos pedreiros que estavam reformando o quarto para o futuro bebê que ele e a esposa estavam aguardando. Mas quem disse que a polícia estaria interessada nessa versão alternativa – ainda que real – dos fatos? Porém, ao ser levado para trás das grades, o rapaz mostrou que pode ser tudo, menos burro. E a partir do momento em que foi confundido com “o Doutor” (o verdadeiro dono dos narcóticos apreendidos), passou a fazer uso dessa alcunha, angariando um poder dentro do presídio que lhe garantiu a sobrevivência até conseguir se desvencilhar daquela situação. Após tantos momentos em que a farsa que se viu obrigado a sustentar por muito pouco não veio abaixo, era de se imaginar qual seria o passo seguinte para o personagem. Pois bem, como se vê nessa segunda temporada, a ousadia de fato é a marca das mentes responsáveis pela trama.

Cadu é inocentado, e tenta a todo custo levar uma vida normal. Não consegue mais voltar à advocacia – quem quer empregar um ex-presidiário, ainda que injustiçado? – mas arruma emprego na loja de sapatos do sogro. Para ele, trata-se de uma ocupação humilhante, principalmente por tudo que havia lutado e se empenhado, mas ainda assim digna e honesta. Mas os laços do passado ainda não estavam prontos para dele se livrar. E as conexões estabelecidas aos poucos voltam a se manifestar. Primeiro é uma sacola de dinheiro que é deixada na sua porta, para que use “em caso de necessidade”. Ele sabe quem o confiou aquela pequena fortuna: o “Doutor”, o traficante internacional Pepe (Roberto Birindelli, evidentemente se divertindo com uma criação tão rica e deliciosamente perigosa). Depois, há o próprio Brasil, um lugar marcado pelas desigualdades, onde aquele que se esforça para ser reto é o que mais é visto como torto pelos demais. Por fim, há a possibilidade de, enfim, fazer diferença. E com algo concreto. É quando decide se candidatar a deputado federal. Uma série de decisões equivocadas se sucedem pelo caminho, mas todas acabam sendo racionalizadas na linha de que “os fins justificam os meios”. Porém, nesse ponto, nem ele imaginaria onde tudo acabaria.

A prisão do primeiro ano se transforma na Brasília dessa segunda leva de episódios. Cadu, de uma forma ou de outra, continua preso. A questão, com ele, não é nem tanto onde vai parar e as decisões que o levaram até aquele lugar, mas o que faz a partir destas encruzilhadas. Este se revela o maior valor de 1 Contra Todos, a jornada de dissolução moral do protagonista. Do cara correto e ordeiro do começo, aos poucos vai se modificando. O político que se apresenta como promessa de renovação, rapidamente se verá envolvido com tráfico de drogas, assassinatos sendo empurrados para debaixo dos panos e traições conjugais. E por mais que pareça que muito acontece nessas menos de 5 horas que ocupam a temporada, há espaço suficiente para que se observem as consequências desses atos e se analisem os efeitos de cada uma dessas decisões. Pelo ponto de vista exercido, a diferença é que não mais estará sozinho: Malu (Julia Ianina, dando início à própria derrocada), a esposa, assim como os filhos, Téo (João Fernandes, o mais irregular do núcleo familiar) e Carlinhos (Bernardo Alves), também se mudaram para a capital federal, e de um modo ou de outro acabarão sofrendo com o que se desenvolve ao redor deles.

Há de se reconhecer a habilidade dos roteiristas em não apenas introduzir novos personagens – Gael, o assessor vivido por Erom Cordeiro, e Telma, a perua personificada por Rita Guedes, são os que mais se destacam – como também para manter em participações relevantes figuras que dominaram as atenções um ano antes. Além de Pepe, que é tanto o anjo da guarda como o demônio condenador de Cadu, quando Mãe (Silvio Guindane, comprovando sua versatilidade) e China (Thogun Teixeira, impondo o respeito exigido) aparecem, é com sorriso no rosto – e a certeza de que ambos não estão de volta por acaso – que o espectador irá se deparar com eles. Por outro lado, há um desenho a respeito das entranhas da Assembleia Federal e do jogo do poder sempre vivo no centro do país que merecia um maior detalhamento. É certo que competir com o que se lê nos jornais é quase injusto, tamanhas as barbaridades com as quais os brasileiros são confrontados diariamente. Ainda assim, a busca pela verossimilhança é inevitavelmente exigida, ainda mais se tratando de uma obra de ficção.

De resolução um tanto apressada, principalmente em seus episódios finais, a segunda temporada de 1 Contra Todos fica caracterizada como um momento de transição para esses personagens. É sabido que não ficarão por estes cenários por muito tempo. Se a mudança radical de ambientação marcou a virada de um ano para o outro, é de se imaginar que o mesmo continuará se sucedendo nos próximos capítulos. O importante, no entanto, é acompanhar as transformações éticas e as flexibilizações morais desta família, o quanto seguem se esforçando para se aproximarem, enquanto que tudo o que conseguem é se afastarem ainda mais. E por mais que o olhar que exerçam sobre o coração político do país soe fantasioso ou estereotipado, é também triste constatar que pode não estar tão longe assim da realidade. Assim, o programa reafirma sua importância nesse contexto, a despeito das diversas facilidades que acabe fazendo uso pelo caminho. Cadu Fortuna – muito graças ao seu intérprete, Julio Andrade – se tornou retrato de um país doente. E, pelo que se pode imaginar, há muito o que sofrer, ainda, até que qualquer sinal de melhora possa ser emitido.

 

 

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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