13 Reasons Why :: T01
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Brian Yorkey
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Gregg Araki, Kyle Patrick Alvarez, Carl Franklin, Tom McCarthy, Helen Shaver, Jessica Yu
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2017
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EUA
Crítica
Leitores
Sinopse
Crítica
Falar sobre um assunto e problematizá-lo são coisas bem diferentes. Como quase todos nós partimos mais ou menos dos mesmos preceitos morais e éticos, é fácil discernir racionalmente uma situação ruim de uma boa. Porém, quando estabelecer isso é um esforço do espectador e não da realização, existe um problema. E, principalmente, quando se produzem obras sobre uma nova geração, o cuidado nesse sentido deve ser mais rigoroso, pois uma das mais drásticas diferenças entre jovens e adultos reside nos seus diferentes pontos de vista, e por isso é importante não confundir perspectiva adulta e abordagem madura. Marcos como os filmes Clube dos Cinco (1985), Depois de Lúcia (2012) e As Vantagens de Ser Invisível (2012), e o livro O Apanhador no Campo de Centeio, por exemplo, entendem isso. Já 13 Reasons Why, novo seriado original da Netflix, nem tanto, apesar de seguir os passos desses precursores e possuir, com folga, os elementos necessários para aspirar à sua relevância.
Baseado no livro homônimo de Jay Asher, o seriado parte de uma premissa que o faz soar, a princípio, como a versão teen de Garota Exemplar (2014). Clay Jensen (Dylan Minnete) é um típico nerd caladão e sem habilidades sociais. Alguns dias depois do suicídio de uma colega, Hannah (Katherine Langford), ele recebe uma caixa cheia de fitas cassete com gravações feitas pela garota. Nelas, a menina se direciona a uma ou outra pessoa de cada vez, explicando que, se estão ouvindo aquilo, são uma das razões pelas quais ela se matou. Atordoado por ouvir as confissões da amiga e por não entender como pode ter motivado a sua morte, Clay passa a seguir suas instruções e fazer um tour pela cidadezinha onde mora, descobrindo e redescobrindo as figuras e eventos que culminaram no seu trágico desfecho - enquanto isso, as outras pessoas citadas nas fitas planejam um modo de garantir que Clay não irá fazer nada para que o conteúdo das gravações seja divulgado.
Adotando então a narrativa habitual de um suspense ao atrasar a entrega de informações e desdobramentos, o seriado acaba provocando um efeito colateral indesejado. Por muito tempo os conflitos e mesmo seus recursos narrativos soam infantis. A demora em justificar a raiva, a tristeza e a intensidade das ações daqueles jovens retira o peso dramático de vários conflitos presentes nessa primeira parte. Isso, ainda que as narrações de Hannah tentem se utilizar do cinismo para cortar o preconceito do espectador, dizendo coisas como “toda essa besteira de ensino médio importa?”. É um esforço honesto, e certamente se paga mais tarde, principalmente a partir do nono episódio, o primeiro a carregar um aviso de “cenas fortes” antes do início. Porém, até que faça efeito, pode perder alguns cativos menos sensibilizados.
Mas, investida a devida paciência, vê-se que a sequência de 13 Reasons Why não só compensa essa fragilidade inicial, como enriquece a primeira metade. Adotando as fitas de Hannah como divisor de episódios, entende-se que cada capítulo é dedicado a uma de suas narrações e, consequentemente, à visão de Clay sobre os fatos que ela apresenta a respeito dos personagens. E essa diversidade de filtros pessoais não é ignorada pelo seriado, que questiona várias vezes a perspectiva psicológica e emocional daquelas figuras. E, se por um lado, as “alucinações” de Clay soam irritantemente repetitivas até encontrarem o ponto em que se justificam (e é realmente catártico quando atingem o seu ápice), por outro, o momento em que um personagem retira algo da carteira comove por, através da simplicidade do ato, revelar simultaneamente uma nova faceta e ainda apontar que as palavras de Hannah podiam ter diferentes interpretações.
Desse ponto de vista, é interessante como 13 Reasons Why prefere, primeiramente, apresentar sua galeria de personagens como tipos unidimensionais, estereótipos do gênero que navegam entre a asiática certinha, o esportista valentão, o fotógrafo introspectivo, o gay sarcástico, o hipster blasé, e assim por diante. Conforme Hannah vai desvendando-os é que percebemos como, na verdade, estão mais próximos de pequenos ensaios dos adultos de amanhã, que propriamente dos arquétipos de filmes de High School. Mais cinzentas, portanto, do que entregues a extremos de bondade ou maldade, as pessoas da série são desenvolvidas para serem estudadas, mas não é como são utilizadas. Por exemplo, é admirável perceber que, sem procurar perdoar suas ações, o roteiro explora Justin (Brandon Flynn), partindo de um típico macho alfa superpopular até o descortinar como um jovem alquebrado que reflete em sua superfície as lesões sofridas nas profundezas de sua rotina – e momentos como aquele em que a trama se permite parar e observá-lo perambulando e admirando a casa luxuosa de um de seus amigos, claramente deslocado, justifica o investimento de mais de 13 horas para contar essa história.
Porém, falta muita crueza para que a série atinja o status de estudo de personagem(ns). Diferentemente de um The Walking Dead, por exemplo, o foco de 13 Reasons Why não é construir seus protagonistas em detrimento da trama. Na verdade nem mesmo a trama é o ponto de chegada, e sim a sua vontade de abordar diversos tópicos referentes àquelas figuras – basta notar que cada uma delas desperta um “tema”, o que, claro, gera momentos embaraçosamente superficiais como: “você já ouviu falar no efeito borboleta?”, já que, obviamente, não há espaço para desenvolver todos os pontos abordados. E aqui reside o revés: se compreendemos Hannah como uma vítima trágica de um sistema corrompido, é porque entendemos isso de maneira racional, não porque a série consegue construí-la assim. Vivida por Katherine Langford com a dubiedade necessária, a nossa narradora é uma guia naquele microcosmo, alguém em quem devemos depositar confiança, um símbolo, mas não uma pessoa plausível - e note como soam repetitivos os tipos de situação a que é submetida. E o pior, seu suicídio parece realmente trazer o efeito que esperava, causando alvoroço nas pessoas próximas, implicando virtual e literalmente em um recurso válido (!), e não em uma fuga causada por dor, angústia e sofrimento. Ora, é possível para alguém de fora observar e dizer, “ok, é uma boa história com uma lição correta”, pois é a leitura lógica. Mas, e para um jovem com problemas na escola, como os ali retratados? E para as pessoas que se identificarem diretamente com Hannah, Justin, Clay, etc.? Teriam elas a estrutura emocional necessária em sua situação para enxergar essas pessoas como vítimas ou agressores, e não como heróis e vilões? Como reflexões e não como inspirações?
E 13 Reasons Why traz mesmo tópicos pertinentes ao nosso tempo e a nossa juventude, facilitando a sua identificação com os temas centrais, tais como o estupro, a conectividade, o amor e, claro, a morte. Mas estão eles empacotados de uma forma a serem compreendidos pelas pessoas de que falam como pontos de debate? Não há um risco aqui de romantização quando percebemos que Hannah é uma personagem forte, inteligente e independente que, ainda assim, escolhe suicidar-se? Sim, a finitude é uma constatação inerente à adolescência, quando percebemos enfim que não somos eternos – essa era a beleza poética do “somos infinitos” em As Vantagens de Ser Invisível. Há quem diga, inclusive, que a transição para a condição de adulto só termina quando o jovem entende e aceita que, um dia, irá expirar. Aqui, a poesia sobre o assunto reside, obviamente, em Hannah, que não só representa a onipresença de uma ideia de fim, como se mostra simbolicamente imutável, independentemente até mesmo das tão discutidas perspectivas, já que é perfeito que o nome dela seja um palíndromo (palavras que podem ser lidas igualmente até de trás pra frente). Portanto, mais complexo e singular é Clay, o nosso verdadeiro protagonista, cuja inocência e ingenuidade são corretamente expressadas por Dylan Minnete – que se junta a Jack Nicholson, Bryan Cranston e outros “heróis” de thrillers que carregam no rosto um machucado para representar sua confusão interna.
Diretor dos dois primeiros episódios, Tom McCarthy (do oscarizado Spotlight: Segredos Revelados, 2015) é responsável pela simples, óbvia e, porém, eficiente dinâmica narrativa estabelecida entre presente e passado, que é seguida à exaustão pelos outros capítulos. Diferenciados pela fotografia, o agora surge dessaturado e monocromático (algo que está nos figurinos também), em contraponto ao sépia ensolarado e de luzes tungstênio do antes - que também se combinam com figurinos mais coloridos. Além disso, a série tem um bom ritmo entre essas linhas temporais, devido às transições orgânicas que apostam em raccords visuais e sonoros – elementos semelhantes dentro de quadro que têm continuidade no próximo.
Com um elenco conciso e repleto de performances notáveis (dos não citados, Christian Navarro, Kate Walsh e Miles Heizer merecem destaque), 13 Reasons Why ainda remete a Morte Súbita, livro de J.K. Rowling bem menos ambicioso e, por isso mesmo, mais eficiente em seus objetivos de usar uma morte e os eventos subsequentes a ela numa pequena comunidade para criar uma alegoria social. Nos lembrando, inclusive, que é possível tratar de temas da juventude sem alienar os próprios jovens, já que, por mais eficiente e admirável que possa ser (e é), o novo seriado da Netflix deveria carregar o aviso de “não aconselhável a todos os públicos” em todos os seus capítulos.
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