Crítica


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Sinopse

Viserys, sobrinho do rei Jaehaerys, é escolhido para ser seu sucessor. Nove anos depois, ele enfrenta semelhante questão, por ter apenas uma filha e, portanto, sem um herdeiro óbvio. Sua esposa está grávida, no entanto, e todas as apostes recaem na possibilidade da vinda de um menino. Mas o irmão do rei, o príncipe Daemon, tem outra expectativa.

Crítica

Ao contrário de Game of Thrones (2011-2019), que durante a sua jornada de oito anos se manteve com o título original no Brasil, A Casa do Dragão estreia com batismo local, aportuguesado, portanto. Isso, evidentemente, é reflexo imediato da imensa popularidade que a obra criada por George R. R. Martin alcançou não apenas por aqui, mas por todo o mundo. E que não seja merecida: as oito temporadas ganharam nada menos do que 59 Emmys, atingiram audiências recorde, tiveram episódios exibidos nas salas de cinema e geraram infinitos desdobramentos, de livros a bonecos, camisetas e todo tipo possível de memorabilia. Um osso tão farto não se abandona de uma hora para outra, e tão certo como um mais um são dois, uma continuação seria providenciada o quanto antes. Ou quase isso. O novo programa é, na verdade, uma prequel, ou seja, uma história prévia. Ambientada quase dois séculos antes dos eventos conhecidos por fãs e curiosos de Westeros. Esse sentimento, no entanto, de familiaridade e nostalgia, dominou o capítulo de estreia, apropriadamente chamado de “Os Herdeiros do Dragão”. Cronologicamente, essas são ações anteriores. Mas é inegável que tal ‘herança’ chega em ótima hora, e com a pompa e circunstância que lhe é devida.

Como todo episódio de abertura, o tom introdutório se fez presente em grande parte dos diálogos e da ação verificada. Quando Jaehaerys Targaryen percebe estar no fim dos seus dias, porém sem um sucessor legítimo para dar continuidade ao seu reinado, um conselho é convocado para decidir quem terá direito ao trono na sua ausência. Apesar de sua filha mais velha ser uma forte candidata, a decisão recai sobre Viserys Targaryen, sobrinho do rei. Após essa rápida explicação, eis que a história em si tem início, nove anos adiante, já com Viserys no poder, e tendo que lidar com semelhante questão. A esposa está grávida, e a torcida é por um bebê do sexo masculino. Até o momento, há apenas uma herdeira, a adolescente Rhaenyra. Caso a vinda de um varão não se confirme, o segundo na linha sucessória é o tio dela – e irmão do monarca – o príncipe Daemon. É, portanto, mais um “jogo de tronos”, como a série mais conhecida. Porém, ao invés de diversas famílias enfrentando-se entre si, há apenas uma em questão. Como chega a ser dito em cena, os Targaryen só possuem um inimigo a temer: eles próprios.

Game of Thrones ficou marcado no cenário cultural por dois elementos recorrentes: sexo e violência. A Casa do Dragão dosou essas atenções em sua estreia, como se poderia imaginar. Porém, ambas as expectativas encontraram resposta em um único personagem: o rebelde e imprevisível Daemon Targaryen, interpretado com a perspicácia e sagacidade que é característica ao ator Matt Smith. Após ter dado vida, recentemente, a tipos tão marcantes, quanto o protagonista de Doctor Who (2010-2020) ou a Philip, o duque de Edinburgo, em The Crown (2016-2017), ele mais uma vez roubou os olhares, seja em bordeis ou nos seus aposentos acompanhado por prostitutas, como no campo de batalha, ao se exibir diante dos demais nobres no torneio comemorativo ao nascimento do sobrinho. Curiosa também é a relação direta que irá se estabelecer entre esses dois ambientes: se na intimidade demonstra fraqueza e insegurança, sem cumprir o que dele se espera até o final, o mesmo também se verá entre cavalos e espadas, quando termina subjugado ao ser pego de surpresa. Uma maior variedade de emoções, porém, permitirá transparecer ao lado daquela que tanto admira, ainda que seja sua direta opositora ao trono. De compaixão à petulância, Daemon e Rhaenyra exalam uma conexão forte, que deverá gerar muitos desdobramentos no futuro.

Mas do que seria dos Targaryen e de A Casa do Dragão sem... os dragões? Se duzentos anos depois eles estarão praticamente extintos, eis aqui um mundo no qual tais feras, se não comuns, pois raras, também não estranhas, uma vez que presentes nos céus e na mitologia que se criou ao redor delas. O rei não possui um desses animais para chamar de seu, mas tanto Daemon quanto Rhaenyra usaram desta vantagem desde o começo, seja por prazer, como também por obrigação. Os monstros que representam a casa mais forte do seu tempo será a identidade de uma família sempre pronta a atacar a si mesma, da Rainha Que Nunca Foi – mas que aguarda atenta o momento de revidar por ter sido preterida – ao governante que (quase) tudo perdeu em uma aposta malsucedida, e que por isso tanto tem que se esforçar para reencontrar seu valor nesse intrincado xadrez. Assim, tem-se cenários conhecidos e intrigas passíveis de identificação e familiaridade, ainda que sob um signo diverso e, portanto, estimulante. Esse primeiro passo entregou o que dele se esperava, com firmeza e propriedade. Ou seja, manteve o padrão. Cabe, agora, exibir a ousadia necessária para ir além e encontrar seu próprio espaço. A sombra da qual luta para se afastar é imensa. Talento para dela se sobressair, porém, não falta.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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