Crítica


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Sinopse

Ao mesmo tempo em que luta para se livrar de uma vida familiar conturbada, Andrew Cunanan passar a sonhar muito mais aprazível aos seus sonhos grandiosos e distantes da própria realidade. Enquanto isso, Gianni Versace sente que o fim pode estar próximo, e por isso decide treinar sua irmã, Donatella, para que no futuro ela possa assumir o controle dos negócios.

Crítica

O sétimo episódio da segunda temporada de American Crime Story, intitulado The Assassination of Gianni Versace: Ascent, propõe uma curiosa gangorra de sentimentos entre os dois protagonistas da trama: Gianni Versace (Edgar Ramirez), o grande estilista, e Andrew Cunanan (Darren Criss), o jovem ambicioso e de moral dúbia. Enquanto o primeiro se vê diante de uma decadência física e profissional, reconhecendo-se incapacitado para seguir lidando com os próprios negócios, o outro aspira se livrar o quanto antes da vida medíocre que acredita estar levando. Um quer os céus, o outro vê apenas o inferno. No entanto, graças a estrutura escolhida pelo criador Ryan Murphy para o desenrolar desta história, sabemos que os dois se encontrarão em algum ponto destes caminho, apressando suas chegadas ao destino que lhes convém.

Após vários episódios centrados na figura de Cunanan, uma figura de interesse relativo e pouco relevo, cujo único feito digno de atenção que protagonizou enquanto vivo foi ter acabado com a própria existência após ter cometido cinco assassinatos – tendo, no último deles, justamente Versace como vítima – American Crime Story T02 decide voltar suas atenções ao artista que, graças a notoriedade de suas criações, batizou essa segunda temporada. Encontramos Gianni em um momento de plena crise: recém diagnosticado com um caso raro de câncer na orelha (segundo informações divulgadas na época pela família), ele passa a não conseguir mais lidar com seu trabalho, pois, além de crises de pânico, tem também bloqueios criativos, perdas da audição e descontroles emocionais.

Dizem que da adversidade surgem as oportunidades. Pois é deste cenário de caos e desespero que começa a ser construída a imagem de Donatella Versace, a irmã que viria a assumir o controle total da marca após sua morte pelas mãos de Cunanan. É pertinente dedicar esse tempo ao desenvolvimento da relação dos dois, revelando não apenas as inseguranças dela, mas também o apoio incondicional que um dedicava ao outro. Ele exigia, é claro, mas só porque também acreditava investir em um terreno que daria resultado. Tais passagens oferecem espaço para as interpretações tanto de Ramirez, cada vez mais no domínio do personagem, como também de Penélope Cruz, fazendo com que a peruca loira ou o sotaque carregado não sejam mais do que adereços, pois sua Donatella surge de dentro, como a força de um vulcão sempre prestes a entrar em erupção.

Por outro lado, no entanto, seguimos a trajetória ao revés do nascimento deste assassino. É de se perguntar quais as motivações para tamanho interesse a respeito de um rapaz cujo único instinto de sobrevivência parece provir da lábia afiada e da capacidade quase inabalável de contar mentiras. Enganando a tudo e a todos, temos a impressão de que nunca foi verdadeiro com ninguém. Nem mesmo com a mãe, a quem encontramos de modo tão ou mais fragilizado do que ele, ou consigo próprio. Sequências como a entrevista com a cafetina ou o jantar entre amigos, quando encontra pela primeira vez o futuro namorado, interpretado por Cody Fern (que graças a esse trabalho já foi confirmado na próxima temporada de House of Cards, 2018) apenas deixam em evidência seu modus operandi, indicando que por trás de tamanha astúcia e presunção havia uma carência quase fora do controle, só mantida às escuras graças a um grande esforço pessoal. Mérito, também, de Criss, que ao menos aqui conseguiu oferecer um vislumbre de uma atuação mais diversa e menos monocórdia.

Ainda temos pela frente dois episódios de The Assassination of Gianni Versace, e pelo que se sabe eles deverão dar mais um passo em direção às origens de Cunanan e de Versace, enquanto que o término estará centrado na caçada ao assassino. Ainda que os paralelos entre eles pareçam cada vez mais forçados, talvez as distâncias que os separam não sejam, mesmo, tão intransponíveis. Ascent, ao menos, aponta para essa direção. E se foi aqui que percebemos o momento exato em que o monstro pela primeira vez se manifestou, impossível não lamentar o quanto a falta de horizontes de um possa ter significado o fim de jornadas que tanto ainda tinham a ser percorridas. O fim está próximo, e o tom agridoce está no âmago de todos.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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