Crítica


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Sinopse

Shadow e o Sr. Wednesday procuram Dvalin para consertar a lança de Gungnir. No passado, um show burlesco apresenta a tragédia protagonizada pelo Deus do Trovão.

Crítica

Donar, O Grande, antepenúltimo episódio da segunda temporada de Deuses Americanos, recolocou as coisas nos eixos, apresentando fatos e elementos que reforçam as luzes sobre o Sr. Wednesday (Ian McShane). No começo, ele é visto como o mestre de cerimônias de uma apresentação burlesca antes da Segunda Guerra Mundial. Nada mais norte-americano do que o show business, então o caminho curto para a adoração da qual os deuses tanto dependem para existir. No palco as figuras mitológicas protagonizam espetáculos supostamente grandiosos, mas aquém de sua magnitude. Esse entrelaçamento é substancial e pode ser visto, numa chave diferente, mas complementar, na construção de um shopping center bem no núcleo do poder dos anões capazes de reparar um artefato raro e imprescindível à batalha, a lança Gungnir.

Chamando atenção no tablado pelas demonstrações de força descomunal, Donar (Derek Theler) é recrutado por nazistas estadunidenses para representa-los em concursos de halterofilismo. A simpatia com os capachos de Hitler faz de Wednesday uma figura ainda mais ambígua, capaz de lançar mão de ardis tortuosos a fim de conquistar o que deseja. É uma novidade, também, o vislumbre de um princípio de aliança com Technical Boy (Bruce Langley), então um novato advertido pelo veterano sobre a busca incessante dos humanos por frescor e a consequente perda de poder que os ícones e os totens de veneração sofrem com o passar do tempo. Esse diálogo oferece camadas significativas para o contexto como um todo e permite que se desvaneça, ainda que momentaneamente, o antagonismo estrito entre velhos e novos.

Todavia, além da ótima escapada cômica em que Shadow (Ricky Whittle) se passa por agente do governo para evitar que seu patrão gaste milhares de dólares para pagar o tributo curioso ao anão responsável pelas runas, o que prevalece em Donar, O Grande é a tragédia. Sim, pois os deuses, seres superiores na acepção aristotélica, os únicos atingidos por aquilo que vai além do drama, também têm suas máculas, se ressentem da falta de pessoas queridas. A falibilidade de Odin está na tristeza residente na lembrança de seu filho Donar, ou simplesmente Thor, o Deus do Trovão que troca as manifestações de força do palco comandado pelo pai por uma colaboração nebulosa com os nazistas. Sempre que Wednesday menciona a semelhança dele com Shadow a bruma da melancolia turva o semblante do Todo-Poderoso. Excelente trabalho de Ian McShane.

Ao largo dessa progressão rumo ao desvendamento do pesar de Odin, Mr. World (Crispin Glover) aumenta as apostas nos poderes da Nova Mídia (Kahyun Kim), entendendo a sua atualidade como potência definidora. Donar, querendo construir outros caminhos para sua imortalidade ao lado da deusa Columbia (Laura Bell Bundy), que adequadamente se apresenta mesclando sensualidade e os signos dos cowboys, assim representando a América nortenha tão orgulhosa de seus símbolos, ameaça se opor ao pai controlador. Numa belíssima cena, a diretora Rachel Talalay desenha um evento relevante, responsável por algo que vem se tentando resolver na série há algum tempo e que aponta a dores dilacerantes, responsáveis por aproximar deus do sofrimento humano. Um ótimo episódio, que, se nutrido, pode render excelentes frutos.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.