Crítica


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Sinopse

Pete, um jovem homossexual, e Tiff, uma dominatrix, foram banidos do circuito de BDSM de Nova Iorque, e precisam se reciclar para voltarem à ativa. Ao mesmo tempo, ambos precisam lidar com os novos namorados: ela tendo que enfrentar o retorno de uma ex-namorada dele e ele aprendendo a conviver com um namorado que ainda está no armário.

Crítica

Em uma sociedade cada vez mais pudica como a ocidental, o sexo volta e meia se vê sendo tratado como elemento de atração e curiosidade para espectadores desavisados. Porém, da mesma forma como sua presença serve de chamariz, como se apontasse para uma possível brecha nesse cenário conservador, basta uma rápida verificação destas mesmas obras para que se confirme a impressão inicial de que muitos realizadores contemporâneos não parecem aptos a encarar essa questão com maturidade e determinação. Assim, da mesma forma como pode ser observado em títulos não muito distantes, como Pagando Bem, Que Mal Tem? (o título original é ainda mais indicativo: Zack and Miri Make a Porno, ou seja, Zack e Miri Fazem um Pornô, 2008), Sex Tape: Perdido na Nuvem (2014) ou Pornô Para Principiantes (2018) tinham em comum o fato de muito prometerem e pouco entregarem nesse âmbito, o mesmo se verifica na série Amizade Dolorida, que chega agora à sua segunda temporada ainda mais comportada do que na anterior, resignando-se em apenas circular por ambientes pretensamente devassos, mas repleta de personagens donos de comportamentos bastante domesticados. O que não deixa de ser uma lástima.

Lançada sob um conceito que poderia ser chamado de fast serie, ou série de rápido consumo – os sete episódios desse segundo ano possuem, ao todo, menos de duas horas de duração, sendo que cada um não costuma durar mais de 15 ou 20 min – Amizade Dolorida prometia ser tão ousada quanto fugaz. Ou seja, divertindo com atrevimento, porém ligeira o suficiente para não incomodar ninguém a sério. Pois bem, o que o espectador encontra é quase isso, pois ela de fato acaba antes de qualquer reflexão mais profunda – mas se esquece de incluir tempero nessa mistura. Isso, para uma combinação que conta com uma garota que trabalha como dominatrix em casas de sexo pago e um jovem gay que sonha em ganhar a vida como comediante de stand up como protagonistas, parece um feito quase improvável. O que de fato se veria, não fosse o programa concebido por Rightor Doyle exatamente a concretização do oposto do que pretensamente tenta vender.

Ator de filmes como Nerve: Um Jogo Sem Regras (2016) e séries como Barry (2018-2019), Doyle se arrisca pela primeira vez nos papeis de roteirista, diretor e produtor em Amizade Dolorida – o batismo nacional parte de um trocadilho infame e deslocado, pois a ‘amizade’ dos dois personagens principais não tem nada de ‘colorida’ – e nem mesmo ‘dolorida’, pois a intimidade entre eles se resume às (poucas) confissões que fazem um ao outro como amigos, apenas, e nada mais. Bonding, ou ligação, o nome original, acaba sendo mais bem sucedido, pois também permite o link com bondage, prática de BDSM (Bondagem, Dominação, Sadismo e Masoquismo), ou seja, a atividade sexual que envolve técnicas de submissão com o uso de algemas, gravatas e amarras, entre outros instrumentos, incentivando fantasias eróticas. Só que nem mesmo o nível ‘pudim de baunilha’ da trilogia Cinquenta Tons de Cinza se alcança por aqui, uma vez que o tom leve da narrativa opta por um humor raso e frequentemente visual, a despeito de qualquer possibilidade apresentada.

Assim, é possível verificar muitas garotas com roupas justas de couro, chicotes que estilhaçam ao menor toque e dildos nos mais variados formatos e tamanhos por todos os lados. Mas o que fazem por ali, além de servirem para compor um cenário de suposta transgressão? Uma promessa que fica apenas no ar, pois nunca são postos em uso, nem mesmo pela figura mais coadjuvante. Enquanto uma mestre na arte da dominação revela ser uma mulher bem casada que sonha em voltar para casa no final de cada dia de trabalho apenas para se aninhar no marido que é um nerd de computação e um escravo sexual que confessa sentir falta do seu ‘dono’ anterior (por quem nutre sentimentos mais verdadeiros, além do fetiche imediato), Tiff se vê entre as obrigações dos compromissos profissionais e a vontade de assumir uma relação sincera com o namorado, ao mesmo tempo em que Pete descobre que ser verdadeiro consigo e com aqueles ao seu redor exige um preço a ser pago, ao mesmo tempo em que pode lhe render frutos mais duradouros – ainda que aquilo pelo qual sempre lutou possa não representar tudo aquilo que imaginava.

Zoe Levin, vista em filmes como O Verão da Minha Vida (2013) e Palo Alto (2013), tem em Amizade Dolorida uma sonhada oportunidade como protagonista, mas pouco faz para se distanciar de imagens melhor construídas e similares, como a de Krysten Ritter em Don’t Trust the B**** in Apartment 23 (2012-2013), que transitava por cenários semelhantes, porém com mais ironia e domínio de cena. Assim, Brendan Scannell (Straight Up, 2019), como Pete, acaba roubando a trama para si com facilidade. Os problemas do casal que divide apartamento com ele – um gogoboy e sua namorada possessiva – ou o próprio relacionamento com um executivo que ainda está no armário acabam sendo mais interessantes do que acompanhá-la lidando com as inseguranças de uma nova paixão ou a descoberta de que a ex-namorada dele é menos ameaçadora do que ela esperava. Tiff e Pete funcionam melhor juntos – como visto na temporada anterior – do que separados, mas é assim que ficam na maior parte do tempo dessa vez.

Praticamente não há sexo neste segundo ano de Amizade Dolorida, o que não chegaria a ser uma tragédia para uma série cômica. Mas buscar essa graça na ridicularização daquilo que os personagens afirmam fazer como ocupação profissional, com um que precisa estimular seu cliente com uma fantasia de pinguim ou ela ajudando uma ex-colega a lidar com traumas do passado ao vislumbrar um peixe em um aquário beira o constrangimento, tanto pelas apostas vazias como pelo inadequado dos conjuntos que, ao invés de provocarem, somente em bocejos resultam. Um bom exemplo é o episódio em que Pete descobre que o namorado gosta de um tipo específico de rapaz, e se vê na mesma noite em uma transa a três com alguém que é quase seu gêmeo. Uma combinação que tinha tudo para ser audaciosa, mas o que consegue é frustrar pelo desfecho convencional e entediante. Ou seja, poderia se antever que esse seriado, na pior das hipóteses, seria uma diversão passageira e inconsequente, mas nem isso consegue, seja pela covardia dos realizadores em assumir certos riscos e mesmo pelo caráter careta das situações orquestradas. E nada pior do que isso para um programa que prometia justamente o contrário.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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