Crítica
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Sinopse
Crítica
É controversa a atuação do BOPE, o Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar, dentro do escopo da segurança pública do Rio de Janeiro. Celebrizados pelo filme Tropa de Elite (2007), os procedimentos desse destacamento de combate à criminalidade na capital fluminense são frequentemente alvos de críticas da imprensa e dos órgãos responsáveis por zelar pelos direitos humanos. De um lado, os que entendem como arbitrária e cruéis as táticas recorrentes do grupamento, que incluem tortura e execução. De outro, uma massa indignada que valida a noção de “justiça a qualquer preço”, à qual não importam tanto assim os meios, desde que os fins sejam alcançados. Mergulhando nesse panorama, a série Arcanjo Renegado demonstra coragem ao colocar como protagonista o sargento Mikhael (Marcelo Mello Jr.), um “faca na caveira” irascível, sujeito que não mede esforços para cumprir as ordens superiores, nem que isso signifique empilhar inúmeros cadáveres.
Mesclando ação e drama, Arcanjo Renegado relaciona umbilicalmente as esferas emocional e pública, não raro patinando nesse terreno pantanoso. Isso aparece nos envolvimentos amorosos/sexuais entre diversas peças de um jogo impulsionado por negociatas que começam e se perpetuam na dimensão política. O coronel Gabriel (Leonardo Brício), secretário de Segurança Pública, se envolve de modo extraconjugal com Manuela (Rita Guedes), a presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Isso, de certa maneira, justificaria a vista grossa que ele faz ao fato do filho dela estar envolvido com o tráfico internacional de armas. Ronaldo (Álamo Facó), representante da mídia independente, mantém igualmente um caso fortuito, mas com o lobista Barata (Flavio Bauraqui), permitindo que decisões eticamente questionáveis de ambos passem pelo filtro da intimidade compartilhada. Mikhael age por impulsos puramente passionais, aliás, algo bem recorrente.
Em ao menos duas ocasiões importantes da primeira temporada o protagonista atua motivado pelo sentimento de vingança. O fato desses gestos extremos de violência sobrevirem à construção de vínculos fortes, capazes de aquietar seu espírito aparentemente indomável, fundamenta certo grau de aceitabilidade das condutas reprováveis, como o assassinato a sangue frio. Ainda que exiba uma genuína vontade de compreender a complexidade do painel da segurança pública, para isso passando a limpo diversas camadas sociais comprometidas entre si, Arcanjo Renegado acaba reforçando noções canhestras, inclusive ao tentar manter intactos os nossos vínculos emocionais com os personagens. Mas, isso tem um custo, justamente a autenticação da brutalidade, até num nível institucional, quando envolvidos parentes e/ou amores. Porém, felizmente, Mikhael é colocado em xeque, principalmente por Ronaldo. A revolta do jornalista é expressada com veemência em frases como “no Brasil não existe pena de morte, está errado executar alguém”.
Arcanjo Renegado oscila entre o estudo desse protagonista ambíguo, sintomático de um país que treina jovens negros para servir aos intentos genocidas do Estado contra uma população marginalizada (prioritariamente negra), e a exposição da cadeia que começa nos financiamentos de campanha, passa por conluios nos bastidores dos poderes (executivo, legislativo e judiciário) e chega à instrumentalização da polícia. Heitor Dhalia, que assina como diretor geral da série, não evita que atitudes agressivas sejam excessivamente glamourizadas, como o poder dos homens e mulheres de farda. Isso se dá pela linguagem utilizada, a da valorização da ação, com planos e cortes rápidos que sublinham a adrenalina e a excitação, quando muito oferecendo o perigo como efeito colateral nocivo. Então, o texto prega uma coisa (vide as verbalizações de teses), enquanto o estilo empregado, ao privilegiar a agitação, torna as sentenças menos efetivas e densas.
Ainda que haja um óbvio desejo de desenhar um painel macrossocial amplo, a predisposição ao simplismo fica exposta pelo tratamento dado aos personagens de Arcanjo Renegado. Em sua grande maioria, elas são figuras flertando intermitentemente com o arquetípico, quando não totalmente lotadas em modelos específicos, tais como o político corrupto de Bruno Padilha ou o empresário inescrupuloso de Ademir Emboava. Algumas circunstâncias, como a permanência de Mikhael em Miracema, são muito subaproveitadas. Isso acontece porque o roteiro não dá tempo suficiente para as situações amadurecerem, logo despachando personagens com bom potencial em função dessa urgência desenfreada para criar mecanismos a fim de ressaltar o protagonista como motivado a fazer o necessário, até transpor o limite da ética. Também são constantes as acrobáticas cenas de sexo, num despudor bem-vindo, mas que soa como um artifício meramente plástico.
Contrabalanceando os problemas de discurso de Arcanjo Renegado, a empolgante condução da ação. Marcelo Mello Jr. dá conta do recado na linha de frente, sobressaindo como esse sujeito casca grossa que começa a ter questionados seus valores principais, ainda que ele se valha exatamente destes para “fazer o bem”, ou seja, continuando a entender como legítimos métodos espúrios desde que a serviço da população ou do pagamento de uma dívida pessoal, estes problematicamente equivalentes na série. Pode ser que numa eventual segunda temporada ele escale rumo à compreensão de seu papel como marionete de políticos e carreiristas corruptos. Há potencial para que isso aconteça, sem dúvida. Por enquanto, pesam a favor do conjunto o bom ritmo das tramas desenvolvidas à comprovação de suas respectivas teses (e lugares-comuns), em tom de denúncia aberta, e o protagonista carismático. No sentido oposto, as ressalvas acima elencadas como duros entraves.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 5 |
Robledo Milani | 7 |
MÉDIA | 6 |