Crítica


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Sinopse

Ryan Clark é o capitão da Avenue 5, uma conhecida nave especializada em turismo espacial. Todavia, o veículo começa a apresentar problemas de funcionamento em plena viagem. O líder, famoso internamente por ser controlador, precisa unir forças com sua equipe para garantir a segurança de todos a bordo.

Avenue 5


Avenue 5 :: T01

Episódio Data de exibição
Avenue 5 :: T01 :: E01 19/01/2020

Crítica

Um capitão. Uma nave. Uma tripulação que responde prontamente a todos os comandos. Um grande desafio que exigirá a união dos presentes para que possa ser superado. Essa breve sinopse poderia apontar para qualquer uma das tantas variáveis de Star Trek, mas esse seria o primeiro dos enganos cometidos por quem estiver interessado em adentar no mundo de Avenue 5. Pois se o ponto de partida parece ser similar – e, de fato, o é, mas logo fica óbvio que essa aproximação foi intencional – ela nem chega a arranhar a superfície do que será visto no programa criada por Armando Iannucci. Afinal, basta conhecer alguns dos trabalhos anteriores do diretor e roteirista – como a série Veep (2012-2019), que lhe rendeu o Emmy, ou os filmes A Morte de Stalin (2017), pelo qual foi indicado ao Bafta, ou Conversa Truncada (2009), que o colocou como finalista no Oscar – para saber que mais do que a história em si, o que desperta atenção são os personagens, os diálogos que travam entre si e como a maioria dos acontecimentos que os rodeiam parecem alheios às suas vontades. É um retrato preciso, doentio e absolutamente hilário da estupidez humana. Independente da época – ou espaço.

Hugh Laurie, multipremiado como o protagonista de House (2004-2012), volta a exercer com habilidade seus dotes cômicos – vistos também no citado Veep (2015-2019) – como o capitão Ryan Clark. É ele que está no comando da Avenue 5, uma espaçonave de turismo que, num futuro não muito distante, está fazendo um passeio de algumas semanas pela galáxia carregando consigo cerca de 5 mil pessoas. No entanto, quando, no primeiro episódio, um problema técnico altera a força gravitacional existente no interior na nave, toda a população é literalmente jogada para um mesmo lado. Isso não apenas deixa vários machucados e feridos, mas provoca um dano ainda maior: com um impacto desta magnitude, a própria trajetória a ser percorrida pela embarcação foi alterada. Com isso, o plano original de voltar para a Terra em questão de poucos meses é modificado radicalmente para mais de 3 anos.

Este é o ponto para que todas as máscaras comecem a cair. E é justamente o que será visto durante os nove episódios que compõem essa primeira temporada. Não há um grande enredo, uma missão a ser cumprida ou uma batalha a ser vencida heroicamente. Tudo o que querem é descobrir um jeito para voltarem para casa. Só que, assim como quase tudo nos dias e hoje – e, pelo jeito, tal situação só tende a piorar – a visão limitada dos empreendedores e governantes, a ambição desenfreada e a predileção do lucro acima da segurança e do bem social seguirão como a ordem do dia, abrindo oportunidades mil para que qualquer motivo possa servir para discorrer as mais variadas críticas, além de apontar com exatidão como a multidão não apenas é idiota, mas também incapaz de produzir resultados confiáveis.

Clark não é o capitão, pra começo de conversa. Ele é apenas um ator, contratado para atuar como se fosse alguém em posição de liderança e, com isso, transmitir uma imagem sólida ao público com quem tem que lidar diariamente. Todos ao seu redor na ponte de controle também estão apenas desempenhando seus papeis, e pouco podem fazer além de entregar frases prontas e sorrir quando lhes é exigido. O responsável por tudo isso é o milionário Herman Judd (Josh Gad, adoravelmente irritante), um completo incapaz que até para tomar as mínimas decisões precisa contar com o auxílio de Iris (Suzy Nakamura, de Quero Matar Meu Chefe 2, 2014), sua auxiliar e braço direito. Há ainda o responsável pelas relações públicas (Zach Woods, de Silicon Valley, 2014-2019), acostumado a simplesmente inventar respostas quando elas lhes são exigidas, o comediante de stand up (Himesh Patel, de Yesterday, 2019), uma pessoa completamente sem graça, o casal que não se aguenta e aquele cuja esposa (Rebecca Front, de Os Aeronautas, 2019) está sempre pronta para reclamar, mesmo quando não consegue identificar motivos para tanto.

Mas nem tudo é desespero. Há uma pessoa a bordo que entende o que está acontecendo e pode – ou ao menos irá tentar – corrigir os problemas. Essa é a engenheira Billie (Lenora Crichlow, vista no episódio White Bear, de Black Mirror, 2013). Porém, mesmo estabelecendo conexões com Clark, Judd ou com outros personagens, muitos dos seus esforços acabam por ser sabotados pela incompetência avassaladora de quase todos ao seu redor. No entanto, como se a situação no espaço não fosse complicada o suficiente, há ainda o desespero em Terra, representado por Rav (Nikki Amuka-Bird, de O Destino de Júpiter, 2015), aquela que permaneceu na base e deveria oferecer soluções seguras aos que se encontram em perigo. Todas essas passagens, no entanto, representam um passo em falso na narrativa, pois pouco contribuem com o contexto a ser explorado. As possibilidades dentro da Avenue 5 já são imensas, e poderiam responder por todo o humor e ironia que o show exige, sem exageros.

Um dos episódios mais fortes e marcantes desse ano inaugural é o nono, This Is Physically Hurting Me (Isso está fisicamente me machucando, em tradução direta). Nele, muitos passam a desconfiar que tudo não passa de uma grande farsa, e decidem se jogar para fora da nave, acreditando estarem ainda na Terra. “Estamos em um reality show?”, uma delas pergunta. Porém, assim que as portas se abrem, o primeiro a embarcar nessa atitude impensada congela instantaneamente, sendo jogado inerte no vácuo sideral. Isso deveria ser o bastante para que os demais mudassem de ideia, mas não é o que ocorre. E não serão dois, nem três, mas sete passageiros que irão perder a vida até que os demais se convençam de onde realmente estão. A analogia é clara. Os fatos, no mundo de hoje – e ainda mais naquele para o qual estamos tristemente nos encaminhando – se tornaram irrelevantes, pois tudo o que parece importar é a opinião de cada um. Sem ouvir, todos gritam. E o desespero, mais uma vez, prevalece. Em Avenue 5, o tom é de comédia, mas depois do riso, resta apenas a decepcionante constatação do quão real esse absurdo é.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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