Crítica
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Ainda que a personagem já tenha tido até um longa próprio – o mexicado La Mujer Murcielago (1968) – é fato que a versão feminina do Homem-Morcego não é das mais frequentes, tanto nas histórias em quadrinhos, como nos cinemas. Greg Berlanti, no entanto, não se sentiu intimidado diante desse fato. Ao mestre por trás do sucesso do Universo Televisivo DC – muito mais bem-sucedido do que sua contrapartida cinematográfica – faltava ainda uma maior aproximação com a aquela que é, muito provavelmente, a mais famosa das cidades deste mundo. Ok, ele está envolvido com Titans (2018-2019) – cujo protagonista é o menino-prodígio Robin – mas tanto Gotham (2014-2019), capitaneada pelo comissário Gordon, como Pennyworth (2019-), sobre o mordomo do herói (sim, até que ponto já foram), não contam com o seu envolvimento. Bom, mas esse cenário, enfim, mudou. E a ação está, mais uma vez, no coração da gótica metrópole em Batwoman, cujo episódio de estreia é, no mínimo, promissor.
O sucesso de filmes como Mulher-Maravilha (2017) e Capitã Marvel (2019) abriu os horizontes para as heroínas em Hollywood. Mas nem tudo são flores, como bem mostrou o recente Aves de Rapina (2020) – que custou US$ 84,5 milhões e arrecadou nas bilheterias norte-americanas US$ 84,1 milhões! Batwoman, no entanto, não chega às telinhas sem ter sido testada antes. A personagem interpretada por Ruby Rose (convincente no papel) já havia aparecido rapidamente nas séries irmãs, durante as sagas Elseworlds (2018) e Crises nas Infinitas Terras (2020) – que envolveram episódios compartilhados de Arrow (2012-2020), Flash (2014-2020), Supergirl (2015-2020) e Lendas do Amanhã (2020). Ou seja, não se trata de uma aposta das mais arriscadas. Porém, ao ganhar um seriado para chamar de seu, retoma sua trajetória desde o princípio. E é esse começo que o espectador é convidado a acompanhar, partindo da tragédia familiar que instigou seu sentimento de revolta, seu treinamento em terras distantes, a volta para casa, a descoberta da caverna e do morcego e o início da sua cruzada contra o crime. Como se pode ver, é o mesmo Batman, só que de saias.
Ou melhor, longe disso, pois Kate Kane – sim, tem o mesmo sobrenome do criador Bob Kane, e essa piada interna é também uma pista sobre a ligação dela com Bruce Wayne: os dois são primos e foram criados juntos (“ele é como um irmão mais velho para mim”, chega a afirmar) – não é das mocinhas mais tradicionais. Tanto que o uniforme que acaba usando é, literalmente, um que pertenceu ao Batman, porém reformado para melhor se ajustar ao seu corpo. Essa rápida adaptação está também gerando confusão na população de Gotham, que ao vê-la pela primeira vez irá confundi-la com o veterano super-herói. E isso por um motivo muito simples: Batman sumiu, e já faz três anos que ninguém tem notícias dele. Batwoman – e não Batgirl, outro ótimo sinal – surge, portanto, em um momento não apenas urgente, mas também de falta de esperança.
Neste começo de Batwoman, há dois pontos que se destacam da narrativa: um positivo, outro decepcionante. O primeiro é a respeito da orientação sexual da personagem: assim como sua intérprete, Kate Kane é uma garota lésbica assumida, e não tem vergonha alguma disso. Tal posicionamento nem valeria de ser mencionado – quanto mais natural as coisas forem, melhor – caso ele em si não fosse um tema discutido no enredo. Rejeitada pela namorada, que prefere levar uma vida ‘no armário’ para melhor se encaixar na sociedade, Kane se dedica com tanta intensidade ao aprimoramento físico como parte do seu processo de recuperação. Por outro lado, ao menos neste piloto, o texto por demais melodramático da roteirista Caroline Dries (Smallville, 2006-2008) e a mão pesada do diretor Marcos Siega (Você, 2018) exageram nas reviravoltas e nos conflitos familiares a ponto de certas passagens serem confundidas com uma novela das mais caricatas. Se conseguirem dosar melhor esse lado cafona e investirem mais na ação e no discurso militante, é bem possível que este seja um programa que, mais do que na ficção, também consiga fazer diferença no lado de cá da telinha.
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