Crítica


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Sinopse

Victoria Skillane desperta pela manhã e não se lembra de quem ela é. Ao sair de casa, percebe estar vivendo em um mundo onde todos parecem ser controlados por um misterioso sinal de televisão. Junto de Jem, uma das poucas mulheres que não foram afetadas, ela deve parar o transmissor "White Bear" enquanto justiceiros mascarados tentam matá-las.

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Crítica

Desde que foi lançada, esta série composta de diferentes histórias não necessariamente ligadas umas nas outras sempre teve como característica uma forte crítica à sociedade atual e aos rumos que ela possa tomar. Não à toa a maioria dos episódios se concentra em mundos distópicos, algo que George Orwell e Aldous Huxley já pontuaram na literatura décadas atrás, dando margem para cada vez mais novas interpretações e olhares sobre a coletividade contemporânea. O segundo capítulo da segunda temporada da série, White Bear, provoca uma discussão realista através de imagens frenéticas e com um plot twist que revela muito da podridão humana. Um ensaio pessimista, mas não menos digno de nota.

Victoria (Lenora Crichlow) acorda um dia numa casa, com fotos que podem ser de sua filha e de seu companheiro. Porém, ela não se lembra. O que faz ativar um pouco sua mente é um estranho símbolo na tela do computador. Ela sai em busca de ajuda, mas ninguém parece ouvi-la. Nas janelas da vizinhança, os moradores apenas olham com o celular à mão, como se gravassem vídeos ou tirassem fotos. Logo uma estranha figura de máscara surge com uma espingarda e a faz fugir. Ela corre. Encontra outros que também estão em fuga e podem lhe explicar o que aconteceu naquele mundo, mas, principalmente, quem ela é. Isso, somente sabemos quando o perigo, aparentemente, passa. Só que a verdade é pior do que viver nas sombras.

Charlie Brooke, o criador de Black Mirror, é o responsável por essa trama dirigida por Carl Tibbetts. Misto de terror e ficção que se revela uma trágica alegoria sobre o poder da condenação dada ao ser humano pelo simples fato dele poder opinar à vontade sobre quaisquer assuntos, independentemente de ter conhecimento sobre os mesmos. Cuidado com spoilers que podem surgir a partir de agora. A grande revelação é que, por trás de toda a correria, tiros e cortes de Victoria, há uma encenação na qual ela ignora atuar. Na verdade, ela é uma condenada à prisão por ter ajudado no sequestro e na morte de uma criança. Naquele mundo, sua sentença é reviver, todos os dias, a agonia de não saber quem é, e precisar fugir. O White Bear do título não é o ursinho de pelúcia da menina assassinada, mas o nome do “parque de diversões” onde a tal “justiça” (se assim podemos chamar) é feita.

O julgamento é realizado por seres humanos como quaisquer outros. Não são juízes formados em direito ou policiais estudados. São trabalhadores de outras áreas, donos e donas de casa, desempregados. Todos exprimindo seu sadismo, botando medo na condenada, tirando fotos de seu desespero. Uma inversão entre criminosos e vítimas que muito lembra a famosa (e odiosa) fala das redes sociais: “bandido bom é bandido morto”. Não há escapatória para Victoria a não ser reviver o drama todos os dias. O que Charlie Brooke nos coloca para pensar é até que ponto a crueldade humana é capaz de chegar.

Oras, é óbvio que Victoria precisa de alguma punição. Porém, para os “humanos” dessa realidade distópica, não basta estar presa. Ela precisa sofrer. Ser humilhada. Deixar de lado o papel de algoz para lhe atirarem as pedras. A escolha por uma protagonista feminina não é gratuita. O companheiro da personagem, e responsável principal pela morte da menina (Victoria teria “apenas” assistido à cena sem tomar atitude), se matou antes de qualquer julgamento, restando a ela o principal e tortuoso castigo. Mais uma vez, cabe à mulher ser responsabilizada, como o mundo machista sempre prega.

Seu nome é uma perfeita metáfora irônica, já que de vitória não há nada na vida da garota. Inclusive, nem daqueles espectadores, cordeiros sem mente que analisam e julgam os outros de forma superficial, assim como fazemos todo santo dia nas redes sociais aqui fora. Lembram-se do caso do tatuador que fez justiça com suas próprias mãos ao ser assaltado e ter tatuado a testa do ladrão para, depois de vários aplausos dos justiceiros de Facebook, se descobrir que o próprio já havia sido condenado por crime parecido? White Bear é uma fábula dolorosamente realista sobre esse poder que achamos possuir, o de interferir na vida do outro só porque temos acesso a supostas informações lançadas na nossa mente de forma desgovernada. Na verdade, é a desculpa perfeita para o ser humano expiar seus medos e culpas através de uma suposta justiça que tem como fundo apenas vingança. Pura e simplesmente. Vingança não sabemos nem pelo que, mas que a pessoa deve merecer, por nossas vidas serem tão vazias e sem sentido. Uma cruel e triste realidade.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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