Crítica


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Sinopse

Em San Junipero, uma vila da Califórnia, no ano de 1987, Yorkie, uma reservada jovem tímida, está visitando o local pela primeira vez. Ela entra desajeitadamente em um bar local chamado Tucker's. De repente, Kelly, uma animada menina festeira, senta ao lado de Yorkie, fingindo que as duas são amigas para tentar despistar Wes, um homem que Kelly namorou uma vez. Kelly faz com que Wes saia dizendo que precisa passar um tempo de qualidade com Yorkie, que só tem cinco meses para viver. Kelly e Yorkie então se conhecem de verdade.

Black Mirror


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Crítica

Futuro distópico, cinismo, paranoia, tecnologia voltando-se contra o usuário. Não seria incorreto afirmar que Black Mirror, enquanto visão de mundo, apresenta algo de muito pessimista e sombrio para seu espectador. Isso não é um problema, longe disso. Como reflexo de nossa sociedade atual, a ótica pouco otimista não parece nada distante da realidade. O que poderia ser prejudicial para o programa era esse pessimismo virar marca registrada indissociável, algo previsível, portanto. Para uma série que se orgulha de seus plot twists, não ficaria difícil para o espectador antever que qualquer reviravolta se daria como algo nocivo para o protagonista. Não existem finais felizes em Black Mirror, afinal de contas. Isso era verdade até San Junipero, um dos episódios mais premiados da história do show. Roteirizado por Charlie Brooker, criador da série, este é o ponto fora da curva. É a trama que mais se distancia do que havíamos visto até então em Black Mirror. Uma história com verdadeiro coração.

Na trama, ambientada em 1987, conhecemos a tímida Yorkie (Mackenzie Davis) em sua visita à San Junipero. Em uma balada ela conhece a expansiva Kelly (Gugu Mbatha-Raw) e uma rápida atração surge entre as duas. Embora seja introvertida, Yorkie enxerga que pode se soltar mais com Kelly e logo se apaixona por aquela mulher. Os encontros aos sábados, no entanto, cessam logo depois delas dividirem uma noite de amor. O que teria acontecido à Kelly? – pergunta Yorkie. A resposta parece um tanto improvável, mas, segundo seus conhecidos, ela estaria em outra época. Como isso seria possível? Yorkie decide visitar outras eras à procura de Kelly e a encontra em plenos anos 2000. Seus sentimentos a fizeram fugir e ao ver Yorkie em sua frente, Kelly terá de decidir o que fazer com seu novo amor.

Escrever sobre San Junipero e não entrar em detalhes sobre a trama é praticamente impossível, portanto se você deseja manter as surpresas do episódio intactas, caso ainda não o tenha assistido, pule para o próximo parágrafo. Brooker concebe neste episódio uma espécie de paraíso nostálgico virtual, onde os mortos podem viver e os doentes têm a chance de se aventurar por algumas horas. É um conceito interessante, em que é possível escolher um pós-vida seguro, no qual se pode viver em sua época mais desejada. O grande conflito dessa realidade é a escolha. Se um ente querido seu preferiu não viver em San Junipero, você não poderá encontra-lo lá. Kelly enfrenta esse dilema. Idosa na vida real, sua escolha é entre viver uma nova história de amor com Yorkie ou se reencontrar com o marido e a filha no pós-vida verdadeiro – se é que ele existe, mesmo. É muito fácil entender o que move essa personagem, com o roteirista habilmente nos colocando no lugar da protagonista. O que faríamos no lugar dela? Viveríamos em San Junipero para sempre? Ou escolheríamos o “descanso eterno”?

Ao mesmo tempo em que nos faz perguntas profundas, Brooker constrói uma história de amor intensa e cativante, formando um casal improvável daquelas duas mulheres tão díspares. Aqui vale ressaltar a atuação envolvente de Gugu Mbatha-Raw (que já havia chamado atenção no pouco visto Nos Bastidores da Fama, 2014) e Mackenzie Davis (mais conhecida talvez por Perdido em Marte, 2015). Se é possível se emocionar e embarcar nesta história, muito se deve à atuação de ambas talentosas atrizes. Raw tem uma vivacidade contagiante, mas esconde atrás dessa alegria uma vontade de reencontrar seu marido e filha – algo que ela revela à Yorkie num de seus encontros. Já Davis interpreta a clássica personagem tímida que desabrocha com o contato de uma figura solar como Kelly. Dependendo do roteiro ou da atuação, essa transformação, não raro, soa artificial. Aqui, acreditamos totalmente, até porque as mudanças sofridas por Yorkie são graduais.

Para reconstruir a época, o diretor do episódio Owen Harris – o mesmo do ótimo Be Right Back, da segunda temporada de Black Mirror – parece ter feito muito bem a lição de casa, comandando os departamentos de música, figurino e direção de arte com maestria. Lógico que ver as roupas, os objetos e a decoração da década de 1980 nos transporta para a época. Mas nada é mais certeiro do que a música para permitir essa viagem. Neste quesito, San Junipero é verdadeiramente imperdível. Tem Smiths, Simple Minds, Bangles, Robert Palmer e Berlinda Carlisle emprestando suas canções e conversando completamente com a trama. Preste atenção nas faixas selecionadas. Todas elas comentam algo sobre o que estamos vendo. Por todos estes cuidados na concepção do episódio, não é à toa que San Junipero é visto como um dos melhores episódios da história da série. Prepare-se para pensar e se emocionar.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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