Crítica


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Sinopse

Uma nova tecnologia de implante permite que os pais acompanhem e monitorem seus filhos em tempo integral. O recurso também traz imagens pixeladas que proíbem conteúdo impróprio. Marie, uma mãe solteira, tem sua filha Sara implantada com Arkangel. Enquanto efetivamente eficaz, se torna um obstáculo perigoso, e Marie permite que Sara cresça sem o uso do Arkangel. Enquanto Sara amadurece e se torna uma adolescente rebelde, Marie fica tentada a usar o Arkangel de novo.

Black Mirror


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Crítica

Marie (Rosemarie DeWitt) não deu à luz em um parto simples. Após complicações, se viu obrigada a recorrer a uma cesariana. Quando Sara nasceu, mal se movia. A mãe, ansiando por um choro da criança, começou ela própria a se desesperar. Mas calma, controle sua ansiedade. Segundos depois, o bebê começa a reagir e mostra-se pronto para a luta que estava recém começando. Esse início é fundamental para o que irá se desenrolar nos próximos cinquenta minutos de Arkangel, segundo episódio da quarta temporada de Black Mirror. E, por mais estranho que soe aos aficionados da série, fará pleno sentido dentro do universo conspiratório que permeia quase todos os seus capítulos, revelando ser esse um dos mais maduros – e, crivelmente, assustadores – de toda a coletânea.

Essa maturidade não vem por acaso. Além de ter sido escrito por Charlie Brooker, o criador do programa, Arkangel tem no comando a direção segura de Jodie Foster. Atriz na atividade desde a infância e dona de dois Oscars, ela pode estar, nos últimos anos, cada vez mais afastada dos holofotes – o último filme dela foi Elysium (2013), há cinco anos – mas isso tem um motivo, e esse é sua dedicação crescente ao ofício da direção. Após três longas em vinte anos (1991-2011), nos últimos tempos comandou episódios de séries como House of Cards (2014) e Orange is the New Black (2013-2014), além do thriller Jogo do Dinheiro (2016). Essa experiência acumulada mostra-se eficaz ao drama que pretende aqui contar, sem atropelos, porém com passos certeiros e muito bem pontuados.

Mãe solteira de uma linda menina, Marie fez da filha o seu mundo. Quando, ao levá-la para brincar num pequeno parque próximo de onde moram, a criança desaparece após um breve descuido seu, vê tudo ruir em questão de instantes. A vizinhança se mobiliza, e não demora para que um outro pai a encontre: estava perto de um riacho, onde se perdeu ao seguir o caminho de um gato vira-lata. Pressupõe-se que esse tenha sido o segundo grande susto, quando acreditou, mais uma vez, tê-la perdido. E ela não está disposta a correr esse risco novamente. É por isso que decide participar de um método – tão experimental quanto revolucionário – oferecido pela empresa Arkangel. A partir de um pequeno implante, ela não só ganha acesso – através da tela de um tablet – a tudo o que se passa com Sara, como também passa a monitorar a própria existência da garota.

Sim, pois o novo recurso não apenas lhe possibilita ter acesso à localização da filha através de um GPS contínuo, como também observar de perto todas as suas variáveis físicas. Mais do que isso, um acesso óptico lhe permite, ainda, não somente ver o que a menina enxerga, mas também decidir o que pode ou não ser visto – os tais controles parentais. Assim, Sara cresce alheia ao mundo real. E quando esse, ainda que tarde, enfim se manifestar, qual será sua reação? Uma vez tão dependente desse recurso – o controle, motivado por uma boa desculpa, logo se revelará uma obsessão – como aprender a confiar e se virar sem ele? Afinal, até que ponto é importante saber de tudo? Não haveriam situações em que o melhor é a ignorância?

Em atuação cativante, DeWitt oferece uma figura maternal que tenta ser quase uma amiga da filha única – os conflitos e crises voltam com tudo durante a adolescência de Sara – mas como entender que é preciso soltar para se ter por perto? Jodie Foster, que já foi ela própria uma jovem vigiada por tudo e todos, sabe bem do que está falando. Cada vértice desse conflito que se estabelece entre mãe e filha possui suas próprias razões, justificáveis para si, mas seriam compreensíveis diante a lógica da outra? Um mundo triste se desenha entre elas, e a solidão e o desamparo da casa onde moram se revela em relacionamentos descartáveis vividos pela mais velha e por uma ânsia da outra por experimentar tudo aquilo que lhe foi negado por tanto tempo. O desfecho, como já é de se esperar, não será feliz. Mas quem garante que a esperança não reside após o ponto final?

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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