Crítica


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Sinopse

De um lado, uma garota com dificuldades para lidar com a solidão, a falta de comunicação familiar e a perda da mãe. Do outro, uma popstar que não consegue expressar-se com voz própria.

Black Mirror


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Crítica

Terceiro episódio da quinta temporada de Black Mirror, Rachel, Jack e Ashley Too toca em várias questões nos seus pouco mais de 60 minutos. A tecnologia, tão presente como elemento fundamental na maioria dos segmentos anteriores, aqui serve para sublinhar a solidão de Rachel (Angourie Rice), adolescente ainda se aclimatando ao novo colégio e à falta que a falecida mãe lhe faz. Todavia, tanto o ambiente escolar quanto o familiar são negligenciados por uma trama paralelamente atenta aos bastidores do sucesso de Ashley O (Miley Cyrus), popstar manipulada por uma tia/empresária tirana que, entre outras coisas, não a permite expressar-se para além das letras motivacionais e positivas que alavancam a venda dos álbuns. Uma vez desenhado o panorama geral, pouco efetivamente acontece. A substituição do contato humano pela inteligência artificial sempre disponível é timidamente instrumentalizada.

Rachel tem problemas de relacionamento com a irmã, Jack (Madison Davenport). São incompatíveis as formas como ambas lidam com o luto. Porém, a despeito do que merece, essa complexa dinâmica não é aprofundada, permanentemente observada apenas a partir do que está na superfície. Rusgas, senões, singularidades, tudo isso fica relegado a um plano terciário quando a cantora é colocada no estado de coma induzido pelos anseios gananciosos de uma personagem estereotipada. No estágio inicial, a boneca dotada de inteligência artificial funciona como indício da efetividade do discurso de autoajuda. A menina que se sente sozinha e desamparada logo encontra acalento nas palavras encorajadoras do dispositivo programado para fornecer incessantemente pílulas de otimismo, assim gerando dependência emocional. Mas isso tampouco é analisado a contento.

Há desperdícios e conveniências em semelhante medida no andamento de Rachel, Jack e Ashley Too. A gratuita ausência do pai no malfadado show de talentos é completamente escanteada no enredo, não reverberando sequer na cena subsequente. O modo como as jovens conseguem penetrar numa fortaleza aparentemente vedada a estranhos aponta à acomodação forçada de circunstâncias improváveis a fim de extirpar da história aquilo que poderia entravar o seu desenvolvimento. O elo conturbado das irmãs é rapidamente varrido para debaixo do tapete, o que invalida os esforços iniciais para mostrar as dificuldades das duas como algo relevante. O resgate, a participação da engenhoca que desanda a vociferar quando libertada de um limitador – e essa operação igualmente se dá de maneira arbitrária –, a fuga, tudo demonstra a fragilidade do roteiro e da direção, incapazes de gerar consistência.

Rachel, Jack e Ashley Too tem um final conciliatório e absolutamente artificial. Os idealizadores desse episódio perdem valiosas oportunidades para observar de perto temas como a solidão, inerente às protagonistas, e a ambição desmedida de quem utiliza a tecnologia para ampliar a escravidão alheia. Os personagens são fracos, não somente os coadjuvantes, tais como o pai, Kevin (Marc Menchaca), mas também as principais, cujas potencialidades se esgotam celeradamente. As cenas durante os créditos finais se encarregam de ampliar a debilidade do encerramento tão maniqueísta e forçado quanto os discursos outrora proferidos a contragosto pela celebridade. Desembocando em cenários implausíveis, é um dos mais baixos momentos de Black Mirror, especialmente pela displicência incomum à antologia.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica