Crítica
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Sinopse
Verônica tem uma rotina entediante como escrivã numa delegacia paulistana. Depois de presenciar um suicídio, ela é acossada pelo retorno de velhos fantasmas e, então, decide ajudar duas mulheres desconhecidas em apuros.
Crítica
Quase vinte anos após a virada do século, a humanidade parece estar em uma situação na qual as convicções se mostram cada vez mais maleáveis. Aqueles que se dizem progressistas e avançados, basta pisar nos seus calos para revelarem um pensamento conservador e reacionário. E nem vamos falar dos que adoram defender “uma moral de cuecas” (esse termo, cada vez mais levado ao pé da letra no Brasil), proclamando frases bonitas que não encontram ressonância em seus atos. A série Bom Dia, Verônica, cuja primeira temporada é baseada no livro homônimo assinado por Raphael Montes e Ilana Casoy (ambos sob o pseudônimo farsesco Andrea Killmore), segue mais ou menos essa linha: se esforça para oferecer uma imagem ao público, mas, no final das contas, se ocupa apenas em reforçar valores ultrapassados e verdades já vencidas. E apesar de alguns méritos evidentes, resulta em um conjunto que não consegue se sobrepor a esse olhar anacrônico e equivocado.
Verônica Torres (Tainá Müller, fazendo o que o papel lhe exige) é uma escriturária da polícia de São Paulo que acaba no meio de duas investigações de podem mudar seus rumos profissionais. A questão, mais presente no material literário do que na versão televisiva, diz respeito a quanto estes casos, aos quais decide se dedicar por contra própria, lhe são caros, tanto num âmbito pessoal – ambos dizem respeito à violência contra mulheres – mas também em como ela é vista pelos colegas de trabalho e o que o sucesso nestas empreitadas pode vir a significar no seu futuro. Os diretores José Henrique Fonseca (filho do grande Rubem Fonseca e, portanto, supostamente mais familiarizado com esse ambiente de crime e suspeitas), Rog de Souza e Izabel Jaguaribe (Tudo é Irrelevante. Hélio Jaguaribe, 2017) optam por deixar de lado essas conexões, minimizando uma das ocorrências para potencializar a outra, como se não estivessem interligadas – não pelas transgressões em si, mas pelo impacto delas na formação da protagonista.
Se o episódio do galã da internet que se revela um conquistador barato e um ladrão corriqueiro acaba sendo deixado de lado antes mesmo da metade dessa temporada de estreia, as atenções parecem se voltar para o casal formado por Janete (Camila Morgado, a melhor do elenco, indo longe da referência que havia no papel e construindo uma personagem rica em receios e anseios) e Brandão (Eduardo Moscovis, formando um bom contraponto à sua parceira, dando origem a figuras desprezível e amedrontadora). Ela é uma dona de casa que vive em constante estado de medo provocado pelo marido, que não lhe permite usar telefone celular e nem sair de casa sem avisá-lo antes. Mas isso não é nada diante do passeio noturno que a obriga a participar de tempos em tempos: os dois vão até à rodoviária municipal, onde ela convida alguma retirante recém chegada à capital, em busca de uma oportunidade de emprego, para trabalhar como doméstica na casa deles. Porém, sua função é de servir apenas como isca. Assim que chegam ao carro, onde aguarda por elas, o homem tranca a moça no porta-malas e parte com as duas até um sítio no interior, onde tortura ambas: enquanto a esposa fica com uma caixa de pássaros na cabeça, vendo pouco e ouvindo muito, a outra sofre nas mãos dele até não ter mais condições de reagir.
Assim que Verônica e Janete tomam conhecimento uma da outra, o empenho da primeira será em salvar a segunda do que acredita ser apenas um caso de agressões familiares, mas aos poucos vai se dando conta de estar enfrentando algo maior. O problema em relação a esses desdobramentos é a certeza dos realizadores em desenhar a protagonista como a única possível de livrar aqueles ao seu redor dos perigos eminentes, contando quase nunca com o apoio daqueles dispostos – como Nelson (Silvio Guindane, com pouco o que fazer), o único da delegacia em quem confia, ou o próprio marido, Paulo (César Mello, de importância diminuída em relação ao livro), que acaba soando mais como um inocente incapaz de lidar com o peso das descobertas e responsabilidades da esposa. Esse movimento faz de Verônica uma mulher-maravilha fraca e incompetente, pois não serão poucos os enganos e deslizes que acabará cometendo em suas tentativas. Por mais que se dedique, o fracasso parece acompanhá-la. E assim, ao invés de termos uma presença cheia de energia e vigor, o que se vê é um desenho frágil diante do empoderamento feminino que a narrativa dá sinais de tentar alcançar.
Nesse ponto, é importante parar para uma análise mais detalhada em relação às diversas – e foram muitas, acredite – mudanças que os realizadores colocaram em práticas nessa adaptação, afastando-se do que antes estava restrito às páginas literárias. Para começar, há a investigadora Anita (Elisa Volpatto, obrigada a lidar com um tipo ingrato e desagradável), criada especialmente para a série e cuja participação abre espaço para uma possibilidade de conspiração policial que nem sequer era cogitada no livro. Se por um lado esse argumento aumenta a importância do delegado Carvana (Antonio Grassi, competente em gerar uma dualidade a seu respeito), também se afasta do conceito original dessa jovem que busca ascender no trabalho e adquirir um respeito que até então lhe é negado, ao mesmo tempo em que busca fazer justiça, por mais que seus métodos sejam um tanto enviesados. O que mais assusta, no entanto, é a velha lógica do “bandido bom é bandido morto”, que o programa defende sem constrangimento nem ressalvas. Bom lembrar quem é que também costuma alardear esse tipo de discurso com orgulho, ainda mais num cenário político tão desgastado quanto o brasileiro.
No final das contas, Bom Dia, Verônica não chega a sustentar nem mesmo a ironia contida no título – uma expressão que sequer é mencionada nessa transposição – e ainda reforça velhos estereótipos que nenhum bem proporcionam, seja à causa feminista ou mesmo ao bom e velho romance policial. Camila Morgado e Eduardo Moscovis se veem um tanto perdidos enquanto personagens – se a série fosse apenas sobre eles, é provável que o todo se demonstrasse mais instigante – ao mesmo tempo em que Tainá Müller demonstra afinco em cena, mas nunca capaz de almejar a postura de uma mulher perdida entre tantas possibilidades, mas incapaz de acertar mesmo os alvos mais óbvios. Tinha tudo para ser uma obra referencial dentro do gênero, mas se confirma satisfeita em apenas emular uma ou outra cena de maior impacto, sem se ocupar das repercussões que estas imagens poderiam provocar junto à trama, deixando de oferecer os elementos necessários para uma reflexão mais profunda e permanente. Provoca, sim, mas de modo barato e inconsequente.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Robledo Milani | 4 |
Ticiano Osorio | 6 |
MÉDIA | 3 |
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