Crítica


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Sinopse

Em Caçador de Demônios, Hub Halloran é ressuscitado pelo Diabo para capturar e enviar de volta os demônios que escaparam da prisão do Inferno. Nessa jornada, com a ajuda e os obstáculos criados por sua família distante, Hub descobre que foram seus próprios pecados que condenaram sua alma, o que o leva a buscar uma segunda chance na vida, no amor e na música country. Fantasia.

Crítica

Caçador de Demônios é uma série sobrenatural em que um mercenário ávido por recompensas, Hub Halloran (Kevin Bacon), é assassinado a mando do seu grande desafeto e ganha uma segunda chance do diabo. Recrutado pelo capiroto para aniquilar demônios que escapam do inferno, ele paralelamente tenta reaver o carinho de sua ex-esposa, Maryanne (Jennifer Nettles), e do filho adolescente deles, Cade (Maxwell Jenkins). Portanto, temos duas linhas narrativas desenvolvidas paralelamente, a ordinária e a extraordinária. Numa delas, o homem cheio de defeitos e atitudes reprováveis é obrigado a trabalhar para o inferno, não necessariamente em busca de redenção, mas evitando que criaturas malignas espalhem o terror por aí. Na outra, o ex-marido e pai ausente tenta (aí sim numa jornada de redenção) reatar os laços afetivos que ele próprio destruiu com seu comportamento errático. De certa forma, o mais decepcionante dessa série divertida é que a trama familiar é muito mais relevante dos que as missões fantásticas. Essa hierarquia não seria necessariamente problemática, desde que os roteiristas não transformassem gradativamente as perseguições às criaturas do mal como apêndices do arrependimento de Hub. Ele poderia ser o tipo de personagem ruim pelo qual desenvolvemos simpatia apesar dos pesares, mas os criadores preferem fazer dele um cara bom. Senão vejamos.

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Há uma suavização na forma como os “pecados” de Hub são apresentados. Ninguém, a não ser ele mesmo, é responsável pelos baques de sua vida. Mais à frente vamos descobrir o motivo que levou esse homem a ir diretamente para o inferno quando teve a garganta cortada no primeiro episódio. As reclamações de Maryanne sobre a ausência do ex-marido, a má influência que ele exerce sobre o filho adolescente e a vocação violenta também são confirmadas ao longo dos oito episódios. A questão é que, mesmo assim, Hub nos é apresentado sempre por uma perspectiva positiva, como alguém que merece ser perdoado, inclusive, por estar numa missão a mando do diabo – mas que tem mais cara de tarefa divina, afinal de contas ele luta contra demônios. Ainda que determinadas cenas tenham uma violência gráfica considerável, o tom da primeira temporada é bastante leve, até mesmo porque o principal não é a caça às criaturas malignas, mas como isso aproxima Hub novamente de sua família. Na medida em que novas ameaças aparecem na pequena cidade, fica claro que o terror é apenas um veículo por meio do qual se está contando uma história mais comum do que parece sobre arrependimentos e segundas chances. Novamente, nada disso seria problema se os roteiros não fossem displicentes com o horror, se as lutas contra os alvos não fossem tratadas inúmeras vezes como um mero protocolo.

Sobre a dimensão do horror em Caçador de Demônios, temos sucessivas missões em que Hub precisa exterminar capetas fujões que assassinam moradores para não correrem o risco do exorcismo. O personagem de Kevin Bacon é obrigado a aceitar muito rapidamente esse destino insólito e pegar literalmente em armas para explodir o máximo de alvos possível e, talvez, assim conseguir escapar do inferno. E ele tem a ajuda valiosa de sua mãe, Kitty (Beth Grant), uma das coadjuvantes mais importantes da série. Aliás, se há algo que compensa em parte essa fraqueza dos componentes do terror da série é a qualidade na construção dos personagens e a forma como o elenco representa bem essa população interiorana às voltas com os planos do diabo. A começar por Kevin Bacon, confortável na pele do sujeito com as costas pesadas de culpas, um egoísta que vai perceber a importância dos laços familiares apenas quando for assassinado e se deparar com os planos do diabo para ele. Numa chave diferente, ele remete ao Valentine McKee, personagem de Bacon em O Ataque dos Vermes Malditos (1990), por ser um retorno do ator ao terreno do Fantástico. Valorizado ao longo dos anos como um grande intérprete, Bacon se encaixa à perfeição no estilo velha guarda de Hub, sujeito que tem atitude rock and roll mesmo sendo do country. Esse astro familiar está cercado de ótimos colegas que o ajudam a sobressair.

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Jennifer Nettles também se destaca como a ex-esposa atualmente nos braços do grande desafeto de Hub, o não menos complicado Lucky (Damon Herriman), aquele que desempenha o papel de vilão humano de Caçador de Demônios. Então, mesmo que a série seja decepcionante como exemplar de gênero, ela compensa fragilidades por meio de personagens interessantes com os quais somos levados a nos importar de todo modo. É realmente uma pena que os criadores praticamente descredibilizem o tamanho das ameaças ao mostrar Hub dando conta delas com certa facilidade e/ou rapidez. Mesmo quando é anunciada a chegada de um problema praticamente impossível de resolver, um daqueles que de ouvir falar já faz as pessoas se arrepiarem, os roteiristas optam por resoluções apressadas que nos privam de uma sensação de perigo real. Especialmente pela série ser produzida pelas Blumhouse, empresa norte-americana notabilizada pelo incentivo a filmes e séries de terror (ou de qualquer outra vertente do Fantástico), era de se esperar que o sangue e a violência não se tornassem meros anexos da redenção familiar de Hub e, no fim das contas, que ele não fosse mais bonzinho do que anuncia o seu passado. Os idealizadores suavizam a personalidade controversa do protagonista para não comprometer a torcida da plateia que eles supõem incapaz de se conectar a um grandessíssimo filho da mãe de verdade. Sinal dos tempos? Provável. Ainda assim, a série tem bons momentos.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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