Crítica
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Sinopse
Candy Montgomery é uma dona de casa norte-americana que tem uma vida aparentemente perfeita. Pressionada pelo tédio, ela resolve ter um caso extraconjugal e se envolve num terrível caso de assassinato ao ser confrontada.
Crítica
A minissérie Candy é baseada em fatos aterradores. No verão de 1978, uma aparentemente pacata dona de casa norte-americana, religiosa e tida como figura proeminente/exemplar de sua pequena comunidade no estado do Texas, nos Estados Unidos, assassinou com 41 golpes de machado uma conhecida. Os primeiros episódios são dedicados à construção de um meio ambiente extremamente religioso, repressor e carola. Casada com o engenheiro eletrônico Pat (Timothy Simons), Candy (Jessica Biel) é uma mulher de discurso e práticas religiosas e não parece oferecer qualquer ameaça a ninguém. E há algo de bastante sintomático nesse entorno suburbano e retrógrado no qual a trama se passa. Depois dos conturbados anos 1960/70, em que a contracultura ameaçou chacoalhar os valores tradicionais dos EUA, esse modo de vida conservador se impôs como uma espécie de vitória da ala menos progressista do país hegemônico, logo mergulhado na onda antiquada nos movimentados, coloridos e ruidosos anos 1980. Feito o contexto, vale destacar que o desenho desse cenário é bem feito no programa, especialmente levando em consideração os aspectos da direção de arte. E uma coisa que também sobressai é a forma de contar a história sem a necessidade de alguém enfatizando verbalmente tudo. A imagem igualmente carrega significados, vide as constantes sombras que tornam os personagens parcialmente obscurecidos (um simbolismo evidente, mas efetivo) e os asfixiantes tetos baixos.
E ainda há outros elementos nesse atmosfera consistente que evita os malfadados didatismos. O fato de o crime ter sido cometido numa sexta-feira 13 – conjunção considerada de mau agouro em diversas culturas pelo senso comum – e de a vítima, Betty (Melanie Lynskey), ter sobre a mesa de sua casa um jornal com a crítica de O Iluminado (1980) – filme em que um pai de família corre atrás da esposa e do filho com um machado, a mesma arma utilizada para o crime. São sinalizações sem efetividade para a transmissão de informações, mas que servem ao clima de horror. Voltando brevemente à questão da noção dos tetos baixos. Eles são uma constante em Candy, geralmente sugeridos nas transições entre as sequências ou mesmo nas entradas em novos cenários. O efeito semiótico dessa opção é sinalizar a pressão exercida nos personagens, justamente, pelo céu ao qual recorrem para garantir a salvação. Trocando em miúdos, é uma forma de criticar o exercício religioso como estratégia para reprimir sentimentos, desejos e anseios considerados pecaminosos que, uma vez represados, podem entornar em algum instante, até mesmo em rompantes de violência. Essa indicação da doutrina como um controle social dos impulsos humanos está na concepção visual e na determinante hipocrisia da protagonista, mas não é aprofundada. O tom é: numa comunidade aparentemente perfeita e temente a Deus, segredos e ímpetos (especialmente os sexuais refreados) acobertam algo primitivo.
Quando ao elenco, Candy tem um ótimo desempenho de Jessica Biel como a protagonista que toma a iniciativa de começar um caso extraconjugal com o conhecido Allan (Pablo Schreiber) – o marido da assassinada Betty. Aliás, há uma competência geral nas interpretações, com o elenco em papeis ligeira e deliberadamente arquetípicos: Melanie Lynskey representa a professora primária com questões de autoestima a resolver (e a minissérie não chega a investigar as razões da sua instabilidade); Timothy Simons vive o pai de família adequado à rotina sem intensidade sexual e aparentemente em paz com isso; e Pablo Schreiber encarna o sujeito que tem uma vida doméstica conturbada com a esposa instável emocionalmente, por isso optando pelo caso com a conhecida sexualmente disponível. Eles cabem bem nesses papeis utilizados pela direção como peças de um painel que atrela a violência à repressão preconizada pela religiosidade levada quase ao cabo do fanatismo. Tudo corre relativamente bem (nada excepcional) na minissérie nos episódios iniciais, com uma eficiente alternância temporal entre passado e presente – para compreendemos melhor em ordem retrospectiva os acontecimentos capitais – enquanto se desenham os efeitos nocivos da América puritana. Mas, é exatamente na resolução, na fração derradeira, que o programa decai de modo impressionante e acaba mal.
Os criadores de Candy optam por esticar essa denúncia dos efeitos-colaterais prejudiciais da repressão religiosa, às vezes incorrendo em repetições desnecessárias, e concentrar grande parte da lógica do tribunal no último episódio. O que se torna um problema, pois o pouco tempo à disposição é insuficiente para tratar de tantas coisas. Assim, o arremate deixa a desejar pela preguiça dos roteiristas para desenvolver melhor essa dinâmica (a do tribunal) tão consagrada nos cinemas. Candy é intimada a contar a sua versão dos fatos (que é dramatizada) e a única oposição a essa “verdade” é a do fantasma de Betty que aparece para contesta-la. Sim, sem mais aquela, aparece um espírito em cena e contradiz a protagonista. Os idealizadores poderiam ter feito algo como em Rashomon (1952), ou seja, confrontar diferentes perspectivas para evidenciar a impossibilidade de chegar a uma verdade. Inclusive se valendo do fantasma, já que ela estava ali, do nada. A ambiguidade do comportamento de Allan no julgamento não é motivo de interesse, tampouco a insatisfação de Pat com uma descoberta dolorosa. O roteiro dá mais importância à rixa entre o advogado de defesa e o juiz do que necessariamente às complexidades da sessão. E esse expediente é uma desajeitada bomba de fumaça para sugerir que Candy será condenada, quando, na verdade, o júri engoliu que alguém capaz de desferir 41 machadadas estava agindo em legítima defesa. Pegando os demais episódios como referência, faltou até uma crítica a essa visão bizarra do colegiado. A conclusão é anticlimática e se arrasta, carente de criatividade.
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