Crítica


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Sinopse

Consagrado nas quatro linhas do futebol como um centroavante de raro faro para o gol, Casagrande teve uma infância complicada pelo alcoolismo do pai e a morte precoce da irmã mais velha. E, adiante, lutou contra o vício.

Crítica

O futebol de alto nível, como qualquer outro esporte em sua potência máxima, requer grande concentração de seus adeptos. Muito por conta desse processo, a vida da maioria dos jogadores se divide entre trabalho e lazer, pura e simplesmente. Nesse preto e branco, raramente surgem zonas cinzas como Diego Maradona, Sócrates, Carlos Caszely e Éric Cantona. Em comum, esses e poucos outros não desperdiçam as portas que a riqueza lhes abre, mas utilizam de suas idolatrias para tratar de temas sociais, como preconceito e opressão política, por exemplo. Walter Casagrande, ídolo do Sport Club Corinthians Paulista, integra esse time de subversivos heróis dos gramados. Retratando uma trajetória vivida intensamente, Casão: Num Jogo Sem Regras é uma homenagem justa ao camisa 9, mas talvez quatro episódios de pouco mais de 45 minutos não sejam suficientes para o tamanho de seu legado.

Antes de quaisquer apresentações, é importante ressaltar que a carreira de um futebolista dura, em média, 15 anos. Mudanças de clubes e cidades, casamentos feitos e desfeitos, lesões, fracassos e glórias permeiam esse período. Incontáveis trivialidades são importantes para uma compreensão final de suas carreiras. Dirigida por Susanna Lira, do potente Torre das Donzelas (2018), a minissérie não dá conta de toda a sua dimensão, prejudicando aspectos que carecem de maior minúcia. A fala apressada - característica, mas confusa - do ex-desportista e diversas cenas repetidas de lances em campo também são pontos fracos da empreitada. Aliás, a tentativa da cineasta em comprimir o maior número de informações nos capítulos disponíveis é perceptível.

Provavelmente, as heranças do ex-atacante serão sua contribuição ao movimento político Democracia Corinthiana, que consistia na ideia de que todas as decisões tomadas pelo clube deveriam ser votadas antes, e sua batalha contra as drogas. Entretanto, ambos temas possuem o mesmo tempo de tela que assuntos como brincadeiras infantis, ambiente familiar e o “início de tudo”. Ou seja, o auge do atleta é suprimido por assuntos pré-futebol. Mas se a bola não rola tanto quanto gostaríamos, o lado civil é melhor desenvolvido. Eventos de opressão e perseguição da última ditadura militar brasileira são descritos e dissertados pelo documentado, que não possui pudor em suas críticas pró-democracia.

Contudo, o projeto dá a impressão de ter sido idealizado para um propósito: tratar da dependência química. Seria uma iniciativa dos realizadores ou do próprio biografado? Sem essa resposta, um episódio e meio são dedicados a essa questão de saúde pública e, infelizmente, rotulam o programa. Mais do que um alvo do escrutínio público, pelos mais diversos moralismos presentes na sociedade brasileira, a figura de Casão tem potencial para mais do que este tópico. Se não, vejamos: Casagrande foi campeão da Taça dos Clubes Campeões Europeus de 1986-87 (atual Liga dos Campeões da UEFA) pelo Porto, um dos maiores clubes do continente em questão, integrou a mais famosa mobilização entre jogadores da história do futebol brasileiro, discursou a favor do Rock and Roll numa época em que o gênero era mal visto por grande parte da população e atuou em pornochanchadas. Todos estes momentos estão na série, é verdade, mas são lançados ao público apressadamente.

Por articular sobre um assunto tão íntimo aos brasileiros, Walter é, possivelmente, a mira perfeita para os fundamentalistas. Ao tecer suas teses sobre o que acontece dentro das quatro linhas, é frequentemente classificado como “um drogado que quer opinar”, basta observar os comentários públicos de qualquer post do artilheiro nas redes sociais. A história de Casagrande ultrapassa o esporte porque escancara um Brasil sem empatia. Casão é e continuará sendo um símbolo pop desse hiato educacional. Uma pena perceber que em Casão: Num Jogo Sem Regras são justamente suas memórias que não ganham maior espaço narrativo.

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Fanático por cinema e futebol, é formado em Comunicação Social/Jornalismo pela Universidade Feevale. Atua como editor e crítico do Papo de Cinema. Já colaborou com rádios, TVs e revistas como colunista/comentarista de assuntos relacionados à sétima arte e integrou diversos júris em festivais de cinema. Também é membro da ACCIRS: Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul e idealizador do Podcast Papo de Cinema. CONTATO: [email protected]
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