Crítica


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Sinopse

Castle Rock é uma cidade fictícia localizada em Maine, nos Estados Unidos. Lá, passado e presente se cruzam através das histórias de terror vividas e sentidas por seus moradores. Nesta estranha localidade, todo o universo de Stephen King se encontra.

Crítica

Aparentemente a Caixa de Pandora foi aberta no quinto episódio de Castle Rock, intitulado Harvest. Após o encerramento trágico e impactante de The Box, finalmente o prisioneiro misterioso (Bill Skarsgård) é solto de Shawshank, não sem antes haver outros indícios de uma crítica aberta à privatização, neste caso, da cadeia. A fala agressiva do gestor, ao telefone com a diretora, demonstra novamente que a concessão do espaço ao empresariado é espelhada quase como indício da maldade prevalente no local. Portanto, o simbolismo está a serviço de uma observação social ferina, instilada paulatinamente ao longo da série. A liberdade do rapaz que outrora fora lacrado nos porões da instituição é temerária, sobretudo pela construção pregressa, bastante eficiente, de uma teia de fatos que o relacionam às desgraças locais. Aos poucos, algumas coisas vão acontecendo de errado, corroborando a tese de que o maligno caminha entre os habitantes locais. Para começo de conversa, um incêndio incontrolável, com múltiplas vítimas.

Henry (André Holland) é atravessado por diversas situações que amplificam a sensação de sua desorientação diante de um cenário absolutamente imprevisível. Um zumbido no ouvido dificulta o seu cotidiano, especialmente enquanto ele busca alternativas para melhor amparar o cliente desmemoriado. Um toque sutil é o fato da demonstração de testes médicos semelhantes, porém em indivíduos diferentes, nos quais a palavra “família” surge por último. Pode parecer simples casualidade, mas, afora o peso intrínseco a essa ordem memorialística verbalizada, a similaridade do resultado reforça o elo entre os personagens, reafirmando sutilmente algo previamente trabalhado. Harvest dá um passo adiante em direção à confirmação de determinadas suposições, pois sua progressão está diretamente condicionada pela sucessão de fatalidades concomitantes à presença do desconhecido. A mais inteligente e forte delas, a entrada sorrateira numa festividade de aniversário, logo transformada em terror pela mera presença do intruso.

Andrew Bernstein, o diretor deste quinto episódio, lança mão de várias soluções criativas a fim de adensar a já pesada atmosfera. Na mencionada cena do “parabéns a você” descambando à carnificina, apenas ouvimos os desdobramentos macabros, com os diálogos crescentemente agressivos, à medida que a câmera permanece no rosto expressivo de Bill Skarsgård. Outra recorrência é a utilização dos planos aéreos, utilizados para deflagrar a sensação de uma possível espreita de forças extraordinárias, além da compreensão humana. O artifício está adiante da mera contextualização. Jackie Torrance (Jane Levy) finalmente explica sua ligação com alguém que outrora tentou matar a mulher e o filho com um machado – alô, alô O Iluminado  –, mantendo aberta a conexão com os livros de Stephen King. Sissy Spacek continua desempenhando um papel vital, oscilando entre momentos de pura sanidade e rompantes de desvario com traços de possessão ou algo que a valha. Sua natureza é um enigma pulsante.

Harvest, assim como seu predecessor, termina com uma situação alarmante, potencialmente decisiva quanto aos desdobramentos da trama. Um pouco antes, temos a revelação importante sobre a captura do prisioneiro misterioso pelo falecido diretor de Shawshank. As peças vão se encaixando com clareza, agora que a primeira temporada chega à metade. Pelo andar da carruagem neste episódio, os cinco restantes devem investir frontalmente num enfrentamento com aquilo que o desconhecido é/ou representa. Molly (Melanie Lynskey) surge como um instrumento imprescindível ao porvir, exatamente porque possui a faculdade de sentir as angústias alheias, de ler mentalidades acondicionadas em semblantes inquietantes ou praticamente indecifráveis. A estrutura da série continua comportando a abertura de novas questões, na medida em que supostamente define outras, utilizando-as como base de algo maior. O nível segue alto. O enredo consegue manter-se muito instigante.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.