Crítica


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Sinopse

Steven tem uma vida relativamente pacata como vendedor de souvenires num museu de arte egípcia. No entanto, à noite ele precisa se amarrar à cama para evitar de perambular por aí. Mal sabe que tem uma segunda personalidade.

Crítica

As séries e as minisséries de super-heróis lançadas no streaming são fundamentais à estratégia (inteligente) da Disney/Marvel para expandir o que até então era conhecido como um bem-sucedido universo cinematográfico. Transições importantes (como em Falcão e o Soldado Invernal, no qual temos o novo Capitão América) e/ou a proposição de lógicas essenciais para o futuro (como em Loki, no qual há a introdução do conceito de multiverso) justificam esses programas como pecinhas de um panorama maior. No entanto, o que Cavaleiro da Lua traz de novidade, de cara, é o fato de ser protagonizado por um personagem que não tinha aparecido em qualquer filme/série do estúdio. Tanto, que no primeiro episódio da minissérie há a clássica jornada de apresentação. Sucinta, eficiente, ainda que parecida com tantas outras. Nela conhecemos Steven (Oscar Isaac), típico introspectivo que tende a passar despercebido na multidão. Embora seja conhecedor de muitas coisas sobre o Egito antigo, ele é confinado à lojinha de suvenires do conceituado museu cheio de múmias e afins.

Oscar Isaac compõe esse personagem enfatizando as suas fragilidades – o que certamente oferecerá a dualidade comum aos super-heróis. A forma meio curvada de caminhar, o olhar que rapidamente desvia do interlocutor, a nítida dificuldade para impor-se diante dos demais, tudo isso está bastante visível nesse episódio inaugural. O que ainda não fica tão claro é porque ele se algema à cama durante o sono – há a menção a um sonambulismo bizarro, mas o diagnóstico tende a ser aprofundado. Bom, de todo modo, evidentemente estamos, talvez, diante de um sujeito com severos problemas psicológicos. E isso é bem capturado pela câmera que não perde oportunidades de sugerir um fracionamento do protagonista – vide as várias cenas com espelhos e reflexos que multiplicam a imagem do londrino. Steven sofre de alguns sintomas que parecem apontar a um transtorno dissociativo, à dupla personalidade. Ele não consegue distinguir entre realidade, sonho e delírio. No entanto, logo percebermos que a desagregação carrega consigo um dado sobrenatural.

O primeiro episódio de Cavaleiro da Lua cumpre bem a função de introduzir esse universo “novo”, ao passo em que exibe figuras e questões com o intuito de instigar a curiosidade. Se temos desenhados os contornos principais do protagonista, algo semelhante acontece quanto ao antagonista. Num dos apagões que parecem sonhos acordados, Steven vai parar numa cidadezinha (em qual país?) onde testemunha os julgamentos promovidos por Arthur Harrow (Ethan Hawke) em nome de uma deusa egípcia. A reação negativa da voz que acompanha Steven a esse sujeito cujas tatuagens se mexem de acordo com o destino das vítimas anuncia: ele é o vilão a quem combater. E é logo depois disso que vem a melhor sequência (a da perseguição ao som de uma música alegre de George Michael) dessa porção inaugural da minissérie. Sempre que ameaçado por um malfeitor, Steven tem lapsos que suprimem a brutalidade feita pelo seu corpo. Os instantes são como as elipses cinematográficas, ou seja, supressões temporais que servem para abreviar o trajeto entre uma situação e outra.

O rastro de sangue depois de cada um desses brevíssimos intervalos sugere duas coisas. Primeiro, que Steven deve conviver com uma personalidade capaz de assumir o controle quando as coisas estão prestes a dar muito errado. Segundo (associado à existência da voz grave e às visões que parecem ser do deus Khonshu), que Steven pode se transformar numa entidade com poderes inimagináveis. Portanto, o episódio inicial de Cavaleiro da Lua faz o que se espera de uma fração inaugural com personagens que boa parte dos espectadores desconhecem: apresenta bem o Cavaleiro da Lua, utiliza com competência os cerca de 45 minutos para elaborar um cenário misterioso, assim deixando uma penca de perguntas que devem ser paulatinamente respondidas na sequência dessa jornada. No entanto, mesmo essa competência não prevê algo para amenizar o sabor de aventura genérica contada dentro de uma estratégia bastante segura de introdução. O que sobressaí como digno de nota é a presença do sangue (exceção nas produções "para toda família" da Marvel) e a probabilidade de termos como figura central um herói que não prima pela sutileza em sua abordagem. Vamos ver como essa trama continua.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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