Crítica


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Sinopse

Enquanto ainda tenta compreender o que está acontecendo consigo mesmo, Steven encontra Layla, ex-esposa de sua segunda personalidade, Marc. Além disso, ficam ainda mais evidentes as diferenças entre Steven e Marc.

Crítica

O segundo episódio de Cavaleiro da Lua segue na mesma toada protocolar do primeiro. Protocolar, pois continua explicando o universo desse personagem que ainda não tinha aparecido nas produções audiovisuais da Marvel. Nessa espécie de “Prólogo, parte 2”, Steve (Oscar Isaac) conhece uma figura familiar à sua outra personalidade, o mercenário Marc. O encontro entre o pacato cidadão arremessado num mundo extraordinário sem tempo para assimila-lo e Layla (May Calamawy) é a desculpa para uma sucessão de diálogos expositivos. “Quem é você? Como nos conhecemos antes? De que modo a outra personalidade de manifesta? Quais as reais intenções do vilão? Do que é feita a ligação do malfeitor com a entidade egípcia?”. Tudo é bem explicado para que não restem quaisquer dúvidas ou arestas a serem aparadas. Se, por um lado, os diretores aproveitam competentemente o tempo escasso (50 min) para essas formalidades, por outro lado, essa preponderância da informação retira um pouco o contorno dramático da trama. Algumas mudanças são abruptas demais, vide a disposição repentina do protagonista medroso por tomar as rédeas da situação.

Cavaleiro da Lua tem algo típico do mito do herói (e não poderia ser muito diferente): o protagonista reluta ao ser convocado a uma aventura espetacular. Steve não demonstra tanta curiosidade pelos enredos que envolvem deuses egípcios vingadores e gente querendo reviver entidades adormecidas. Levando em consideração que o primeiro episódio da série enfatizou o conhecimento do sujeito sobre as histórias do Egito antigo, é no mínimo curioso que ele não se deslumbre diante de Khonshu (voz de F. Murray Abraham) ou do plano para reviver a deusa Ammit. Assim, ele está longe da imprudência de um Indiana Jones, arqueólogo que frente a fatos/relíquias/tramas é atiçado ao ponto de perder o bom senso. Steve se encaixa no arquétipo do antissocial aparentemente sem muitas habilidades que é intimado a algo muito além de sua imaginação. Uma pena que os roteiros não trabalhem as possíveis complexidades desse homem obscurecido pela apatia. Essa escolha parece bastante consciente, sobretudo para continuar dando preferência à dualidade existente entre as personalidades. Podemos esperar que essa distância entre Steve e Marc diminua aos poucos?

O segundo episódio de Cavaleiro da Lua dá mais subsídios às linhas gerais do imbróglio que envolve Khonshu, o mercenário, o cidadão que convive com um reflexo impertinente, a mocinha em perigo (que tende a se tornar motivação) e o vilão que já esteve ao lado do seu inimigo. Há mais cenas pirotécnicas, tentativas avulsas de humor – vide a cena de Steve invocando o traje especial do super-herói. Realmente é uma pena que os idealizadores, aparentemente, não confiem na capacidade do público para ler entrelinhas, captar determinadas sutilezas transmitidas por olhares e gestos ou concatenar a partir de fragmentos situados ao longo da minissérie. Talvez como reflexo dessa necessidade de apresentar um mundo novo (mas que tem traços de outros tantos similares), tudo é devidamente assinalado, explicado, debatido e ponderado para que não restem dúvidas. Privilegiando a parcela mais afoita de espectadores da atualidade, há pouco espaço e tempo para cozinhar nuances ou ambiguidades. E a simplificação do cenário em prol da ação pode vir a comprometer.

Há possibilidades muito interessantes em Cavaleiro da Lua. A principal delas é o que pode acontecer durante a convivência entre três personalidades que agem num mesmo corpo. Steve, o tímido fracote; Marc, o agressivo mercenário em dívida com um Deus colérico; e o próprio Deus colérico (e renegado) que utiliza homens como massa de manobra. É esperar para ver se os criadores da minissérie mergulharão nas profundezas dessas demandas ora convergentes, ora divergentes, ou se ficarão satisfeitos em pavimentar o caminho de Steve para se tornar uma pessoa mais autossuficiente. No primeiro episódio, tínhamos ao menos a sugestão de uma violência desmedida (vide o sangue nas mãos de Steve depois de uma briga com bandidos). Neste segundo episódio, não há sinais tão enfáticos de uma brutalidade que poderia turvar ainda mais as fronteiras entre os heróis e os vilões. Resta acompanhar o restante da minissérie para saber se teremos um passo adiante rumo à ambivalência ou uma permanência confortável no estatuto dos heróis que fazem o bem.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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