Crítica


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Sinopse

Feliz proprietário do Cine Holliúdy, a maior atração da cidade de Pitombas, no interior do Ceará, Francisgleydisson precisa lidar com a chegada da televisão, algo que coloca em risco não apenas seu negócio, mas também sua paixão.

Crítica

A trama da série Cine Holliúdy acontece nos anos 1970, ou seja, é pregressa a do longa homônimo de 2013. Nos confins da cidadezinha de Pitombas, Francisgleydisson (Edmilson Filho) é o feliz proprietário do cinema, ou seja, provê o entretenimento ao povo da localidade. Todavia, um inimigo chancelado pelo carimbo do progresso vai colocar o negócio do protagonista em xeque. A iminente chegada da televisão pode representar o fim da telona que já exibiu tantos clássicos. Afinal de contas, sem o público não há o negócio. Curiosamente, embora coloque em pólos opostos a TV e o cinema, os responsáveis pelo programa buscam elementos telenovelescos para aglutinar essa fauna de personagens peculiares envoltos em situações próprias a espaços interioranos. Nesse sentido, Pitombas é uma espécie de herdeira da fictícia Asa Branca, onde se passava o enredo de Roque Santeiro (1985-1986), com uma pitada de Santana no Agreste, na qual se desenrolava boa parte de Tieta (1989). Portanto, se trata de um produto que busca no passado alguns de seus códigos.

A grade força de Cine Holliúdy é o carisma dos personagens. Marilyn (Letícia Colin), forasteira com nome de estrela hollywoodiana, revira o juízo de Francisgleydisson; o impagável prefeito Olegário (Matheus Nachtergaele) representa a autoridade dada a maracutaias com o dinheiro alheio; Jujuba (Gustavo Falcão), o imediato do político, cujos trejeitos servem à caricatura; Maria do Socorro (Heloísa Périssé), a primeira-dama que claramente se refestela diante da paixão e da obediência do novo marido. Também se destacam Carri Costa, Solange Teixeira e Frank Menezes, todos dentro de arquétipos muito bem desenvolvidos nessa ideia de pequena comunidade no fim do mundo. Mas, quem rouba repetidas vezes a cena é o excelente Haroldo Guimarães como Munízio. O braço direito do Cine Holliúdy tem várias tiradas certeiras e uma disposição invejável para incentivar Francis a fazer a coisa certa. Embora esse sidekick exista apenas como suporte ao protagonista, sem espaço para demonstrar subjetividade ou afins, ele sobressai sempre que está na tela.

A estrutura narrativa de Cine Holliúdy compreende episódios fechados. Há a delineação de uma coluna geral, mas cada fração de cerca de 30 minutos contém uma história com início, meio e fim bem definidos. A sacada dos idealizadores é pegar emprestado de alguns gêneros cinematográficos os motes e os tons – estes devidamente esgarçados pela comédia popular – para desenvolver essa "chibata" entre a televisão e o cinema. Por exemplo, quando Francis precisa produzir filmes para concorrer com a telinha instalada no centro da praça pública, recorre imediatamente ao terror, lançando-se numa missão claramente incentivada pela resistência que anda de braços dados com o amor pela Sétima Arte. Adiante, as narrativas de extraterrestres (comuns no cinema dos anos anteriores aos 1970) igualmente servem de ignição para entremear certas tensões românticas. Assim como surgem, os problemas são resolvidos. Até o relacionamento do casal principal demora um pouco a ser demonstrado, com beijos bem pudicos. Há leveza e inocência sintomáticas perpassando a série.

O prefeito Olegário é o personagem que mais cresce ao longo de Cine Holliúdy. Matheus Nachtergaele deita e rola com esse protótipo de Odorico Paraguaçu que poderia ter saído do universo lúdico dos Trapalhões. Da figura icônica de Paulo Gracindo em O Bem-Amado (1973), guarda essa sanha por engambelar o povo e enriquecer de forma ilícita. Ele financia enxertos de silicone com verba de gabinete e não mede esforços para alinhar-se com os demais poderes da cidade. Embora a observação política esteja absolutamente subordinada à graça, aqui ela aponta o dedo às relações promíscuas entre o Executivo e a Igreja Católica, por exemplo. Cacá Carvalho vive um padre daqueles bem estereotipados, ciente do poder de sua instituição para o cotidiano de uma cidade incrustada num país prioritariamente católico. E os opositores de Olegário não são tão diferentes, pois demonstram semelhante falta de escrúpulos assim que surge a oportunidade de alçar-se ao poder.

Cine Holliúdy é uma série divertida, cujos predicados principais advêm da qualidade do elenco, composto de intérpretes nacionalmente conhecidos e dos regionalmente afamados. Às vezes as desventuras amorosas de Francis e Marilyn perdem textura, noutras a batalha central fica em terceiro plano. No que diz respeito aos roteiros, embora evidentemente haja um descompromisso com qualquer verossimilhança, pontuais circunstâncias forçam os poucos limites do imponderável, vide o sucesso repentino de alguém em São Paulo num curtíssimo espaço de tempo. Edmilson Filho, o timoneiro dessa trupe afiada de tipos excêntricos e afetuosos, demonstra desenvoltura na dianteira, aludindo a mocinhos românticos, aventureiros e aos dispostos à ação. O resultado é o herói saltimbanco disposto a tudo e mais um pouco para realizar seus sonhos. Com humor ágil e recheado de um regionalismo nordestino bem-vindo, a série repete demasiadamente alguns procedimentos e bordões, apresenta certos vícios, mas ainda assim cativa ao cultivar esse gosto pela nostalgia

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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