Crítica


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Sinopse

Trinta anos depois do embate entre Daniel LaRusso e Johnny Lawrence, a rivalidade desses dois ressurge quando Lawrence decide retomar sua vida por meio do infame dojo Cobra Kai. Enquanto ele busca redenção, o agora bem-sucedido Daniel, por sua vez, tenta superar os desafios de sua vida sem a ajuda do seu mentor, o Sr. Miyagi.

Crítica

Seguramente não foi a melhor temporada de Cobra Kai.  Na verdade, se mostrou a mais fraca das até agora três. Os eventos do segundo ano deixaram um tom trágico suspenso no ar, sobretudo por conta da internação de Miguel (Xolo Maridueña) após a briga generalizada na escola. Aliás, o drama em torno da recuperação do garoto que corria o sério risco de ficar paraplégico é um dos descompassos gritantes da nova leva de episódios. É preciso suspender bastante a nossa descrença para engolir a rapidez com que, por exemplo, ele consegue se recuperar de uma cirurgia experimental – dias depois já ensaiando os primeiros passos – e a ingenuidade com que seu sensei, Johnny (William Zabka), alcança o êxito improvável ao fazê-lo andar novamente. Definitivamente, Daniel (Ralph Macchio) se torna coprotagonista ao lado do desafeto, o que, de certo modo, é um contrassenso, tendo em vista a evolução da trama que começou justamente focando nos injustiçados pela História que não premia os perdedores. As relações ficam mais simples. Resoluções igualmente enfraquecem.

Mesmo com fragilidades, a série continua deliciosa de acompanhar, inclusive quanto mais o espectador tiver contato prévio com o universo da saga Karatê Kid. Um dos melhores episódios da temporada é o quinto, chamado Miyagi-Do, no qual LaRusso vai a Okinawa tentar salvar sua concessionária do movimento escuso do concorrente desleal. Ali ele se depara com a frustração de seu saudosismo, pois a cidade que representava lembranças enternecedoras também mudou, modernizou-se, para o bem e o mal, não permanecendo alheia ao movimento do tempo, assim como ele. O encontro com três figuras essenciais das antigas lhe dá as chaves, emocionais e práticas, necessárias para, ao mesmo tempo, salvaguardar seu pequeno império financeiro e resolver questões internas que lhe corroíam a autoestima. A tensão erótica com a ex-namorada é bastante amenizada dentro dessa proposta próxima a dos filmes originais, sem espaço a uma malícia perturbadora. Essa dinâmica se repete adiante, curiosamente com outra ex que ressurge para ensinar lições a ele e Johnny.

Os jovens agora são mais escancaradamente espelhos inevitáveis dos inimigos adultos que não conseguem chegar a um acordo. A resolução da temporada amarra a reaproximação, algo não tão bem prenunciado, e prega a urgência de contar com amigos e amores para vencer batalhas. Porém, o movimento de resultado mais oscilante de Cobra Kai nesses dez episódios diz respeito à jornada de John Kreese (Martin Kove, que continua arrebentado como o vilão, um sujeito odiável). São apresentados flashes de sua carreira militar, antes dele se tornar cativo da distorção conceitual de que a compaixão e a misericórdia redundam inevitavelmente em fraqueza. Diferentemente das nuances anteriormente administradas no processo de mostrar Johnny para além de sua agressividade gritante, aqui tudo se sustenta numa tese rasa de que pessoas submetidas a sofrimentos atrozes tendem a revidar com brutalidade equivalente. Os responsáveis pela série quase tentam justificar a ruindade do fundador do Cobra Kai, inclusive por espelha-lo no sofrimento da carente Tory (Peyton List).

Já Hawk (Jacob Bertrand) vai caindo na real, compreendendo lentamente que ser vítima de chacota nunca lhe deu o direito de expressar-se com agressividade. Ele entende que há mais no mundo do que uma urgência em se mostrar temível para sobressair. Esse coadjuvante tem sua virada bem cozinhada. Já a articulação em torno do vilão serve somente para que tenhamos um pouco do que ele foi antes de virar um homem asqueroso. Pode-se conjecturar que, se as coisas seguirem os rumos mais ou menos desenhados, teremos também a redenção do que parecia fadado a encarnar a maldade no Vale? Só o tempo vai dizer. Especificamente quanto a Johnny e Daniel, as duas grandes molas propulsoras de Cobra Kai, os últimos episódios revelam algo que poderia ser melhor (mais sutilmente) evocado nos anteriores, o fato de provavelmente precisarem deixar de lado estilhaços da sua rivalidade marcantes para vencer o inimigo em comum. Nesse sentido, o retorno de Ali Mills (Elisabeth Shue) funciona ao contrário do esperado, ou seja, serve inesperadamente para os aproximar.

Alguns instantes da terceira temporada de Cobra Kai são emocionantes, como as citadas reconexões de Daniel com um passado que tem a lhe ensinar e, principalmente, o desfecho da luta bastante significativa com Kreese. Quem evidentemente perde espaço é Robby (Tanner Buchanan), apesar do tempo dedicado para sublinhar sua rebeldia requentada que rima com o comportamento de Johnny na adolescência – ocasionado pela mesma ausência de uma figura de referência para sustenta-lo. Talvez o maior problema dessa continuação seja mesmo a falta de densidade nos trajetos de evolução dos personagens, ou, melhor dizendo, a pouca diluição das mudanças ao longo dos episódios. Várias das principais reviravoltas acontecem abruptamente, mas ainda assim a série se mantém cativante e ocasionalmente empolgante pela vocação saudosista e sua disposição à reverência. Pena que os encarregados por ela tenham sentido a necessidade de equiparar definitivamente Johnny e Daniel como protagonistas, ainda que seja instigante a observação de suas semelhanças insuspeitas.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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