Crítica


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Sinopse

Molly se muda a contragosto para o interior. Enquanto tenta se adequar à vida longe da metrópole, precisa entender o porquê dos novos vizinhos serem tão apegados aos seus bichos de estimação.

Crítica

O primeiro episódio desta antologia norueguesa tem como protagonista uma personagem aparentemente talhada para ser a vítima das circunstâncias aterradoras, mas que, gradativamente, se transforma em algoz. Em Um Grande Sacrifício, Molly (Ine Marie Wilmann) exibe contrariedade quanto à nova vida cotidiana no interior, afastada da efervescência da metrópole. No melhor estilo Corra! (2018), seus vizinhos são criaturas estranhas, não em virtude de traços hostilidade, mas, pelo contrário, por exibirem uma cordialidade com ares assustadores de artificialismo e exagero. Todavia, na pouca duração dessa história inaugural – cerca de meia hora – não deixa terreno para um estudo dessa coletividade irmanada pelo segredo cozinhado aos poucos, mas revelado de supetão. Enquanto isso, o realizador Geir Henning Hopland telegrafa elementos importantes.

O grande desejo de Molly é voltar à cidade grande, mas a crise financeira da família a impede. Sem tanto investigar a personalidade da mulher, ou mesmo apontar a alguma pré-disposição à psicose, Um Grande Sacrifício sinaliza que ela será capaz de coisas inimagináveis para chegar ao seu objetivo. Outro dado de estranhamento sublinhado até que a insatisfeita fique sabendo dos sacrifícios como forma de obter vantagens financeiras é a presença ostensiva de animais no cotidiano daquelas cercanias. Todos os homens e mulheres locais vivem a acariciar seus bichinhos de estimação, algo devidamente questionado pela moradora. Aliás, se há um pecado nessa boa construção atmosférica é que certos indícios e desdobramentos são muito verbalizados pelos personagens, o que dá um ar ligeiramente didático ao processo de revelar os pormenores.

Outra engrenagem importante de Um Grande Sacrifício é a praticamente onipresente trilha sonora. A música, a cargo de Sindre Hotvedt, demarca quase incessantemente os tons da atmosfera de apreensão que vai se instaurando rapidamente. Em determinadas cenas, a música funciona como muleta, sustentando aquilo que a imagem e o texto não conseguem revelar por si próprios. Porém, na maior parte do tempo, esse elemento extradiegético serve para manter constante a sensação de que há mais sob as cordiais aparências, de que o espaço evidentemente bucólico esconde segredos que tornam única a sociedade local. Pena que a pouca duração também impeça Geir Henning Hopland de mergulhar profundamente na constituição da coletividade que utiliza o amor como barganha para enriquecer e/ou resolver problemas com o auxílio da superstição. Esta ganha ares de fato por conta da sucessão de ganhos que sobrevém à aniquilação dos vínculos afetivos.

Coletivo Terror apresenta o tal ônibus apenas no início, na introdução. No mais, o que se vê é um eficiente jogo com duas temporalidades. Na primeira, surgida no começo e no fim de Um Grande Sacrifício, um jornalista está indo ao encontro da personalidade endinheirada que lidera um império. Na outra, a mudança e os eventos supracitados. A grande sacada do roteiro desse debute está justamente no entrelaçamento de tais cronologias, na surpresa contida numa revelação devidamente explicada para que o espectador não perca as nuances. Existe essa inclinação ao pedagógico, numa narrativa pouco comprometida com a complexidade dos personagens. O que importa é a densidade da atmosfera criada em torno de uma contenda familiar, bem como a virada que deflagra os efeitos nefastos da ganância. Quanto à violência, ela é mais sugerida que mostrada.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.