Crítica


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Sinopse

Um empresário estabelece uma perigosa dinâmica com seus convidados ao descobrir que um deles roubou um valioso protótipo que pode estender a sua hegemonia nos negócios.

Crítica

O espetáculo cínico do capitalismo marca a primeira sequência de Cobaias, terceiro episódio da antologia norueguesa Coletivo Terror. Não é apenas o petit comité dos endinheirados que sinaliza isso, mas a comemoração se dar em torno da façanha mercadológica relacionada a medicamentos para depressão. Para não deixar qualquer dúvida, especialmente quanto ao posicionamento do presidente do conglomerado bilionário, há a autocorreção relativa à ausência de efeitos colaterais do remédio. Edmund (Stig R. Amdam) diz, após gabar-se da ausência de contraindicações, “quase sem efeitos”, exibindo o sorriso irresponsável da sua inconsciência. Também é nas entrelinhas que aparecem algumas ressalvas entre os presentes, tais como ciúmes profissionais, desconfianças concernentes à idoneidade, tudo numa ocasião recheada de hipocrisias.

Até o momento, Cobaias é o melhor episódio de Coletivo Terror. Ao contrário dos antecessores, em sua maioria carentes de tempo para desenvolver boas premissas, ele consegue, em pouco mais de meia hora, projetar uma mensagem consistente, embora a prevalência de diálogos expositivos ainda seja uma fraqueza. Uma vez que a festividade é motivada pelo êxito financeiro, a possibilidade de perturbações nessa realidade substanciada por montantes de dinheiro e poder também se encarrega de trazer à tona o pior dos humanos distribuídos em cena. Edmund demonstra que prioriza dividendos, primeiro constrangendo seus convidados, depois indo além, colocando em xeque suas vidas diante da impossibilidade de encontrar o culpado.

Certas rusgas são externadas de modo banal quando os personagens se encontram confinados, à mercê do estratagema do patrão para desmascarar o responsável por um engenhoso golpe em curso. Essas tensões alimentadas pelo risco incitam as animosidades ao ponto de demonstrar que os suspeitos, no frigir dos ovos, não são assim tão diferentes do patrão que começa a se comportar como vilão de histórias em quadrinhos. As atenções, contudo, não recaem sobre a investigação, aliás, pouco importa quem tentou puxar o tapete da empresa numa disputa que envolve espionagem industrial. O principal de Cobaias é essa quebra da civilidade incitada pelo dinheiro e a consequente constatação de que não há limites à ação espúria de quem coloca as cifras acima de qualquer coisa. A ressalva maior é a existência de um buraco enorme no eficiente roteiro.

O leão-de-chácara de Edmund é visto pela primeira vez monitorando as imagens oriundas das câmeras de vídeo espalhadas pelo apartamento. Difícil engolir que não há qualquer dispositivo desses velando justamente a segurança do bem mais valioso depositado no apartamento. É preciso, então, fazer vista grossa a essa fragilidade a fim de permanecer aferrado à escalada dos burgueses rumo à selvageria. Cobaias se atém pormenorizadamente às motivações individuais, seguindo retilineamente a cartilha do whodunit, o bom e velho “quem matou?”, ou seja, atribuindo aos personagens justificativas à sua pronta incriminação. Nesse processo, tensões de várias ordens emergem, inclusive, para nivelar suspeitos e dificultar a nossa dedução. O mais relevante, porém, é o desenho dos comportamentos doentios de quem penhora tudo em prol da ganância.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.