Crítica


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Sinopse

As aventuras daqueles que moram acima do Loop, uma máquina construída para descobrir e posteriormente explorar mistérios universais. Tais pessoas são capazes de feitos incríveis, antes possíveis apenas na ficção científica.

Crítica

Em Contos do Loop, a estrutura encontrada pela série é tão fascinante quanto os temas abordados. Os oito episódios da temporada inicial não são completamente lineares, nem totalmente episódicos. Cada história possui início e conclusão, concentrando-se num morador específico das proximidades do Loop – um centro de pesquisa em física experimental. No entanto, os personagens de um episódio estão presentes nas histórias seguintes enquanto coadjuvantes ou, às vezes, meros figurantes. A família central possui um segmento dedicado à mãe, e outro ao pai, ao filho pequeno, ao mais velho e ao avô. Apenas após tantas investigações de seus passados e traumas o espectador passará a compreender o aspecto sombrio destes personagens tristes, que mal se comunicam dentro de uma casa obscura. Isso significa que as histórias ao mesmo tempo interferem umas nas outras enquanto se bastam enquanto narrativas autônomas: elas possuem um significado próprio quando destrinchadas individualmente, porém compõem um imaginário muito mais amplo quando colocadas lado a lado. Em conjunção com o próprio tema, poderiam ser reordenadas em ordem distinta, possivelmente despertando interpretações inéditas.

O Loop, em si, constitui um espaço interessantíssimo porque vago, beirando a abstração. Nenhuma história se passa inteiramente dentro do instituto científico, e jamais presenciamos os personagens (cientistas, intelectuais e engenheiros) trabalhando ativamente lá dentro. Há três gigantescas torres que jamais vemos em funcionamento, uma esfera cujos poderes são parcialmente escondidos do público, e amplos corredores levando a portas que não são abertas. Para um espaço imenso, o lugar é ocupado por pouquíssimos profissionais. Para um instituto caro, responsável por pesquisas valiosas, o local é surpreendentemente fácil de se penetrar ilegalmente: não existem cercas, cadeados, apenas alçapões que podem (e serão) abertos quando necessário, além de um único vigilante numa guarita isolada. O Loop representa menos um espaço verossímil do que um local imaginário, um núcleo em torno do qual orbitam os personagens. A cidade sem nome nem limites geográficos depende deste local extremamente poderoso, e aparentemente sem poder algum. Não existem crises de gestão, de financiamento, de projetos científicos fracassados. Trata-se de uma alusão ao território dos sonhos: no Loop, tudo pode acontecer, menos evitar a morte – o que não impede os personagens de tentarem dribá-la de alguma forma.

Para lidar com os temas centrais da morte, da passagem de tempo e da ânsia por controle (dos corpos, da vida, das pessoas amadas), o projeto se baseia numa atmosfera melancólica. Cada segmento introduz uma pequena subversão das leis da física, causada por algum equipamento inovador, transformando assim a vida de um dos diversos protagonistas. No entanto, a mudança radical (troca de corpos, viagem no tempo, paralisação do tempo) ocorre apenas para o personagem envolvido, e não para o mundo ao redor. O caráter espetacular das descobertas é atenuado, convertendo-se numa sequência de aventuras íntimas. A garota que descobre uma máquina capaz de congelar o tempo no mundo inteiro (a excelente Nicole Law) o utiliza para viver um idílio amoroso com o rapaz por quem está apaixonada. Os garotos que descobrem a possibilidade de trocar de corpo um com o outro (Daniel Zolghadri e Tyler Barnhardt) experimentam a sensação de terem famílias diferentes por um dia. Ninguém busca lucrar com as descobertas ou dominar o mundo pelo potencial das máquinas (afinal, não parece haver mundo fora da cidadezinha). Eles buscam apenas superar a solidão, vencer a tristeza. Com seus robôs gentis e tecnologias dóceis, criam novos laços afetivos. O que aconteceria se, ao invés de poder e fama, os indivíduos desejassem reverter a morte do avô querido ou passar uma tarde com o irmão desaparecido?

Pelo processo de psicologização da ciência, Contos do Loop torna a ficção científica e a física quântica acessíveis, sentimentais. Nunca se discute o processo de criação destas máquinas, os cálculos envolvidos, o financiamento para o desenvolvimento de robôs gigantescos. Eles apenas aparecem pelo local, sem causar espanto em ninguém. Quando Gaddis (Ato Essandoh) encontra um duplo de si mesmo num espaço-tempo alternativo, eles não se digladiam – pelo contrário, um convida ao outro para se hospedar na mesma casa, pelo prazer da companhia. Nenhum personagem é um corpo, ele apenas tem um corpo, que pode ser facilmente trocado, deteriorado, aprimorado. Isso permite discutir a dualidade corpo-alma, a superação (simbólica e efetiva) da morte, a sexualidade e a identidade de gênero, além da questão da essência: se um indivíduo vivendo no corpo alheio faz sexo com outra pessoa e ambos têm o filho, de quem é a paternidade? O roteiro almeja representar o que não se vê por meio metáforas: as fotografias jamais reveladas nem expostas, a busca por um pássaro em extinção, a lenda do monstro numa ilha deserta. Pelas narrações iniciais e pela conclusão aberta de cada episódio, cria-se uma ampla fábula equivalente à versão adulta dos tradicionais contos de fada.

Esteticamente, o resultado se revela bastante coeso para oito histórias dirigidas por oito diretores diferentes, com protagonistas distintos, em temporalidades específicas. O criador Nathaniel Halpern garante que as tramas sejam unidas pelo tom nostálgico, pela trilha sonora de piano e violinos, pela direção de arte discreta na caracterização retrofuturista, pelo lento deslizar da câmera dentro das casas e nas planícies, pela luz natural vindo das janelas e pelo silêncio após cada revelação ou surpresa. As ferramentas do cinema de gênero são aplicadas ao drama psicológico, no qual a tecnologia não-realista se torna comentário para o estado de espírito de cada personagem. Talvez seja mais correto falar em realismo fantástico do que ficção científica, neste caso, visto que muitos encontros com dimensões paralelas se assemelham ao sonho ou pesadelo – podendo ter existido, de fato, ou não. O quinto episódio (“Control”, dirigido por Tim Mielants) burla um pouco as regras estéticas que a série cria para si mesma, soando deslocado e mais fraco que os demais (a mal dirigida cena do ataque do robô era fundamental para o impacto emocional), e o ritmo só se reestabelece por completo no sétimo episódio. Mesmo assim, o conteúdo humanista se sustenta, e a qualidade dramática é elevada nas histórias dirigidas por Andrew Stanton (“Echo Sphere”, episódio 4), e Jodie Foster (“Home”, episódio 8).

“Por que as coisas não ficam sempre iguais?”, reclama uma adolescente na trama. “Por causa do tempo”, responde um adulto. Em outro momento, um sábio convida a criança a buscar “a beleza das coisas que não duram”. Contos do Loop se encerra como um convite a perguntas sem resposta, ou ainda a novos olhares aplicados aos dilemas humanos de base (amor, vida eterna, beleza, felicidade). Parte cautionary tale (muitas histórias decorrem das armadilhas perversas de um desejo realizado), parte reflexão sobre o imponderável (visto que as tecnologias do Loop podem são tão amplas quanto limitadas), a série nos confronta à nossa pequeneza enquanto seres humanos condenados a crescer, envelhecer e morrer. Ao invés de vangloriar nossas conquistas civilizatórias, confronta-nos ao que ainda não conquistamos, e nem conquistaremos. Nesse sentido, é ótimo poder contar com atores de composição tão bruta quanto Rebecca Hall e Jane Alexander, em contraste com as atuações mais afetuosas de Jonathan Pryce e do pequeno Duncan Joiner. Eles se tornam reflexo de uma obra capaz de equilibrar drama e fantasia, o real e o imaginário, o íntimo e o coletivo. A doce conclusão oferece um final satisfatório a cada personagem sem resolver definitivamente qualquer conflito – algo coerente para um projeto sobre a impermanência das coisas. Contos do Loop traz uma aparência modesta, minimalista, mas com potencial de provocar forte impacto após o término da jornada.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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