Crítica


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Sinopse

Escritor neurótico, Sidney J Munsinger leva uma vida pacata com sua esposa Kay na Nova York dos anos 1960. Esse estilo de vida muda com a chegada de Lennie Dale, revolucionária nacionalmente procurada.

Crítica

O próprio Woody Allen acredita ter falhado miseravelmente em Crisis in Six Scenes. Segundo o criador da minissérie produzida pela Amazon, as coisas não funcionaram adequadamente por conta de sua falta de intimidade com o formato televisivo. Em grande parte, se trata de seu contumaz exercício de autodepreciação – que o leva a renegar obras-primas como Manhattan (1979) –, mas uma parcela disso se deve à consciência da fragilidade da estrutura. Essa comédia farsesca ambientada no fim dos anos 60 nos Estados Unidos poderia ser montada enquanto filme com a simples junção das partes. Funciona mais na íntegra, ideal para ver numa tacada, algo que aponta diretamente a essa dificuldade pontuada de escrita para um suporte não plenamente dominado. Porém, a despeito dessa característica, o que temos na tela (seja ela do tamanho que for) é uma típica comédia do autor, debruçada sobre a polarização política a reboque da famigerada Guerra do Vietnã.

Crisis in Six Scenes é protagonizada por S. J. Munsinger (Allen), ex-redator publicitário, aspirante a escritor, desenhado como um cidadão sem preocupações financeiras e sócio-políticas. Ele é um recorte do norte-americano médio, alguém capaz de defender ferrenhamente eleições democráticas como única saída para o caos nacional, isso em contrapartida à reação violenta de grupos considerados radicais, mas sem a consciência necessária para, sequer, registrar-se a fim de estar apto a votar. Obviamente, a tensão entre capitalistas e comunistas está no cerne dos debates suscitados no programa, mas a chave não realista permite ao criador trabalhar exageradamente determinados lugares-comuns próprios aos dois lados. Assim, o liberal de araque, escondido atrás do discurso de avareza e egoísmo, não é menos deliberadamente caricatural do que a revolucionária Lennie Dale (Miley Cyrus), metralhadora giratória de ferrenhas críticas aos Estados Unidos.

Enquanto intérprete, Allen está no ponto como esse sujeito que passa parte do tempo reclamando da gula da hóspede indesejada. Em contrapartida, sua esposa, Kay (Elaine May), requisitada terapeuta de casais, adere aos preceitos da perseguida, prontamente reproduzindo as palavras de grandes líderes comunistas/socialistas, ou seja, não sendo menos burlesca que suas colegas do clube de leitura. Em Crisis in Six Scenes nem tudo funciona no sentido de oferecer novas perspectivas às questões abordadas, como as próprias sessões de clientes me busca de paz conjugal. Mas, convenhamos, certas piadas são tão boas autonomamente que acabam desempenhando a função de bem-vindo respiro em meio às conversões de pequenos burgueses em defensores da igualdade coletiva. Uma delas é a esposa aconselhada a cobrar do marido para fazer sexo (porque ele se excitava apenas custeando seu prazer), adiante decidida a virar prostituta profissional, motivo de celeumas.

A duração breve dos episódios, entre 20 e 25 minutos, não permite que as reiterações sobrepesem. O personagem de Woody Allen permanece num constante estado paranoico, amedrontado diante da possibilidade de ser arrolado como cúmplice da foragida. Uma dinâmica bastante cara ao autor, haja vista a quantidade de vezes utilizada, de formas distintas, ao longo de sua carreira cinematográfica, é o jovem careta arrastado, ainda que momentaneamente, a outra vida pela força de uma paixão repentina e aparentemente avassaladora. Quem cumpre a função dessa vez é Alan (John Magaro), descendente de uma linhagem de banqueiros, enamorado perdidamente pela loira que vocifera a urgência de uma mudança agressiva no sistema de governo a fim de diminuir as desigualdades que desnudam a hipocrisia do american way of life. Ele parece disposto a largar a noiva promissora (e comportada) para assumir as consequências de seu amor clandestino.

O tom farsesco de Crisis in Six Scenes atinge seu ápice numa das principais cenas do episódio final. A crescente chegada de gente à residência dos Munsinger, mais do que deflagrar as possíveis tensões de encontros e revelações, aponta à exacerbação do absurdo. Chega-se ao cúmulo do homem reclamando da esposa dissidente enquanto pais se desiludem com as novas leituras dos filhos sobre o mundo, senhorinhas acima de qualquer suspeita se excitam ao falar de táticas “subversivas”, funcionários analisam um possível vazamento de gás e revelações são feitas a fim de modificar os panoramas. Pode-se dizer que é o melhor momento dessa minissérie saborosa, especialmente aos admiradores do humor característico de Woody Allen, com tiradas criativas que, dessa vez, apontam ao conformismo sintomático da classe média e aos fortes indícios de resistência à mudança. Mira-se a política, assim como as relações, para extrair delas o ridículo.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.