Crítica


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Sinopse

Quatro diferentes famílias vivem em uma pequena cidade alemã. Suas vidas pacatas são completamente atormentadas quando duas crianças desaparecem misteriosamente e os segredos obscuros das suas famílias começam a ser desvendados.

Crítica

Em uma pequena cidade no interior da Alemanha, muitas coisas estranhas podem despertar a atenção imediata do espectador de Dark. A primeira, no entanto, é a total ausência de uma ambientação urbana: as casas são próximas da floresta densa que não apenas circunda, mas também entremeia os trajetos desses habitantes. Não se percebem calçadas, comércio ou vizinhança: tudo está distante um do outro – a escola das casas dos alunos, a delegacia da igreja, a fábrica nuclear que garante o emprego de muitos até o hotel eternamente vazio – e estes percursos são, invariavelmente, feitos de carro, de um ponto até outro. Quem se aventura por estes longos espaços desabitados a pé, corre dois riscos maiores: o mais óbvio, é o de se molhar, pois a chuva é outra constante. O mais grave, no entanto, é o de se perder. Ser sequestrado é uma ameaça, mas há um medo maior: o de ser apagado, eliminado do seu tempo e espaço. Para onde vão estas vítimas, de onde esse perigo vem e o que querem aqueles responsáveis é o segredo que a série mantém em alta durante a sua primeira temporada, um mistério não apenas bem conduzido, mas elaborado como um quebra-cabeça tão engenhoso que, mesmo faltando apenas uma peça, só fará algum sentido quando o quadro estiver completo. Ou não.

Afinal, o programa continuou. Assim como as histórias desses aqui envolvidos. Não chega a ser surpresa o fato de que Dark brinca com as possibilidades da viagem no tempo. Porém, é o homem que vai de um ano a outro, ou estas datas que percorrem a vida de uma pessoa de um modo mais imediato para alguns do que para outros? Impossível saber apenas pelo que é visto nessa primeira leva de episódios. O que fica claro, no entanto, é que há mais sendo escondido do que aquilo que os realizadores se mostram dispostos a revelar. Há uma caverna – exposta já no pôster e nas principais imagens de divulgação – e os principais personagens, de um jeito ou de outro, acabam se aproximando dela. Alguns são levados até lá, outros são atraídos sem nem saber ao certo por que, e muitos usam o que ela tem a oferecer: uma passagem para um outro momento. Anos, décadas e dias se confundem entre as possibilidades que se apresentam. Uns que voltam no passado, outros que se aventuram no futuro. Porém, em ambientes conhecidos pelo espectador. Não há hipóteses: o terreno a ser percorrido é familiar, independente de que lado da tela se esteja.

Essa observação é importante de ser feita pois, ao menos nessa primeira temporada, não há viagens rumo a um futuro muito distante. Nada de carros voadores, utopias claustrofóbicas ou robôs dominando o planeta. O medo, aqui, é real – e mais próximos. Aliás, pouco se vai além dos limites dessa floresta e da cidade inserida no meio dela. Mas tudo começa a partir de um desaparecimento. Quando um menino simplesmente some sem deixar vestígios, seus irmãos ficam sem saber o que fazer. A mãe se vê entre o desespero e a necessidade de tomada de ação. É o pai, no entanto, que decide que não há como ficar parado. Ele é policial, conhece os meandros do local, das pessoas e da região. Vai investigar tudo o que estiver ao seu alcance. Porém, quando um corpo de um menino é descoberto em um terreno não muito distante, as percepções se voltam para a possibilidade de um adeus definitivo. Mas, não, a vítima é outra – mas não menos relevante. A busca continua. E ninguém parece dar sinal de descanso, nem mesmo os que perderam, e muito menos aqueles que precisam voltar ao seu lugar de origem.

Entre o marido dividido pela a esposa e a amante, a jovem apaixonada por dois rapazes, a solitária que perdeu o homem que nunca amou e sonha com um romance que lhe é impossível, a velha senhora que guarda experiências que poucos conseguem imaginar, o diretor que não quer olhar para trás, a empresária que sabe que seus dias estão contados, o curioso que não imagina o preço a ser pago por saber demais, o pastor decidido a fazer as coisas do seu jeito, o viajante malcuidado que tem algo mais urgentes com o que se preocupar, a enfermeira que sabe que suas decisões de hoje irão afetar eventos muitos anos à frente e o deficiente que ninguém dá importância, mas que guarda uma verdade que nem os mais atentos conseguem antecipar com tamanha precisão, há alguém comprometido em buscar o que, de fato, está acontecendo com todos eles. Essa delegada, que por muito tempo aceitou as coisas ao seu redor, impotente diante de maiores decisões, percebe ter chegado o momento de fazer diferença. Ao mesmo tempo em que exerce essa figura de autoridade, aquele que parece ser o mais discreto e menos perceptível é que, enfim, descobrirá não apenas o caminho a ser seguido, mas a quem caberá as decisões mais pesadas.

Este é o papel de Jonas, personagem interpretado pelo jovem Louis Hofmann. Depois de ter estrelado Terra de Minas (2015), longa dinamarquês indicado ao Oscar, e de ter atuado em inglês nos hollywoodianos Operação Red Sparrow (2018) e O Corvo Branco (2018), o rapaz voltou para Alemanha para ser o real protagonista de Dark. Sempre com sua característica capa de chuva amarela, Jonas é alguém sofrido, que sobreviveu a um pai suicida, mas não sem sentir na pele as consequências dos atos paternos. Agora, reinserido mais uma vez naquele contexto, sente certos laços de ontem voltarem a se estabelecer, e até começa a pensar que aquela antiga normalidade possa lhe fazer bem. No entanto, à medida em que vai descobrindo outras conjecturas e possibilidades, também sente o peso de cada uma dessas escolhas. Não lhe cabe mais pensar apenas com o próprio coração, preocupando-se somente consigo mesmo. Essas ligações, ao cruzarem no tempo e no espaço, começam a se enrolar. E muitos desses nós não parecem ser capazes de se desenrolar sozinhos.

Um dos maiores sucessos internacionais da Netflix, Dark foi criado pela dupla Baran bo Odar (que dirigiu em Hollywood o thriller Crimes na Madrugada, 2017) e Jantje Friese (roteirista de Invasores: Nenhum Sistema Está Salvo, 2014). Eles combinam com eficiência elementos universais com características típicas da região onde filmaram, exibindo personagens sisudos e difíceis de serem lidos, em contato com outros à flor da pele, prontos para a explosão. Ao trilharem ambientes limítrofes, confundem ainda mais a audiência, que permanecem na maior parte do tempo sem saber ao certo o que está acontecendo – quais as relações entre este e aquele, o que veio irá afetar o destino daquele que se foi, ou se tal desfecho era, de fato, necessário, pois somente assim poderá ser evitada a tragédia antecipada por muitos? Há muito a ser questionado, e os realizadores não demonstram muita preocupação com estas respostas. E é justamente essa a beleza deste programa decidido a provocar ao invés de esclarecer, expondo mistérios que, ao menos até agora, são muito mais sugeridos do que concretizados.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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