Crítica


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Sinopse

O cenário é a Segunda Guerra Mundial, precisamente a França ocupada por forças alemãs. A jovem tripulação do submarino U-612 é liderada pelo recém-promovido capitão Klaus Hoffmann. Eles estão prestes a embarcar em sua primeira e perigosa missão.

Crítica

Tanto no filme de Wolfgang Petersen – O Barco: Inferno no Mar (1981), produção alemã indicada a 6 Oscars, inclusive Melhor Direção e Roteiro Adaptado – quanto no livro de Lothar G. Buchheim, o foco da ação era a tripulação encarcerada no interior de um submarino em curso pelo Oceano Atlântico, na conhecida zona sombria, uma região desguarnecida que, durante a Segunda Guerra Mundial, era o principal ponto de ataque das nações do Eixo contra os Aliados, visando principalmente enfraquecer a ajuda norte-americana enviada pelo mar. A série Das Boot, no entanto, não usa apenas a fonte original, tratando de combinar elementos dessa com as de outra narrativa do mesmo autor, Die Festung (A Fortaleza, em tradução direta). Ou seja, apesar de manter o título do longa, trata-se de uma refilmagem apenas em parte do que foi mostrado décadas atrás. Isso, ao mesmo tempo em que oferece um frescor à produção, também a desvirtua da proposta inicial, gerando um produto híbrido, e muitas vezes não à altura do que se poderia esperar.

Para se ter ideia, se antes o espectador era convidado a se deparar com uma história estrelada quase que exclusivamente por homens – afinal, eram militares a serviço em um ambiente totalmente masculino – a mudança agora é tão drástica que a personagem principal, agora, é uma mulher. Simone Strasser (Vicky Krieps, de Trama Fantasma, 2017) é uma jovem alemã em uma França ocupada. Atuando como tradutora e intérprete para os oficiais nazistas, tem o irmão (Leonard Scheicher) a bordo do submarino, e passa essa primeira leva de episódios – são 8 ao todo – no aguardo se ele irá retornar são e salvo ou não. No seu dia a dia, possui outras três preocupações principais: a atenção que lhe é dedicada por seu superior imediato, Hagen Forster (Tom Wlashiha, de Game of Thrones, 2012-2016), a segurança da cunhada e da sobrinha recém-nascida e, para piorar, a relação que estabelece com a resistência, liderada pela norte-americana Carla Monroe (Lizzy Caplan).

Ou seja, Simone é uma agente dupla, que tem muito a perder caso suas reais intenções sejam descobertas. Essa delicada situação se agrava quando percebe que, mais do que uma simpatia, há outro sentimento lhe atraindo ao movimento de resposta contra os ataques alemães: ela e Carla se envolvem de forma sexual e romântica. É difícil imaginar uma protagonista lésbica – ou, no mínimo, bissexual – em um filme (ou livro) que tenha feito tanto sucesso décadas atrás. Aos olhos de hoje, no entanto, esse contexto é inserido de forma fluida, e acaba funcionando bem diante às expectativas levantadas. Ao ceder aos avanços do comandante, ela evita se mostrar totalmente desconfortável, como também aproveita essa proximidade para obter informações que podem colaborar com os planos daqueles a quem possui verdadeira lealdade. Por outro lado, Monroe é uma figura enérgica e explosiva, que não tem medo de assumir riscos – e Caplan incorpora essa figura com muita garra. Tamanha selvageria e obstinação pode ser uma faca de dois gumes, e aquilo visto como vantagem, poderá elevar os riscos de sobrevivência das duas – e dos demais ao redor delas.

Ao percorrer limites tão tênues, Das Boot vai, sem pressa, conquistando a atenção da audiência, mesmo que nela existam alguns pouco afeitos à temática da guerra. Pois, se temos aqui uma história entre inimigos – e o foco está, justamente, naqueles que acabaram sendo os derrotados – a empatia tão necessária para que esses destinos importem a quem os acompanha termina por se valer mais pelos trajetos individuais, e menos pelo conjunto apresentado. Basta perceber a irregularidade entre os dois lados da trama – a ambientação acima da terra acaba por ser muito mais interessante do que os mandos e desmandos entre os que estão no fundo do mar. É compreensível que a claustrofobia provocada por um ambiente tão limitado possa afetar o raciocínio e a capacidade de julgamento daqueles homens, unidos por uma missão em comum. Não por isso, entretanto, precisariam eles anunciar suas intenções com bastante antecedência, recaindo em tipos estereotipados e previsíveis: o irritadiço, o valentão, o nerd, o recluso, o intelectual e assim por diante.

Aliás, se a inserção de uma outra narrativa em paralelo é feita sem tropeços, o mesmo não pode ser dito a respeito daquilo que deveria ser o mais respeitado. Afinal, de O Barco a série criado por Johannes W. Betz (roteirista de A Massai Branca, 2005) manteve o cenário e a proposta, mas não muito mais do que isso. Para começar, logo nos primeiros capítulos são obrigados e dar guarda a um norte-americano perdido (Vincent Kartheiser, de Mad Men, 2007-2015), que acaba sendo usado como moeda de troca no resgate de oficiais germânicos capturados. No entanto, esse ato é interpretado por muitos como um gesto de fraqueza, e um motim se estabelece, depondo o capitão e o eximindo de suas funções. Cria-se um quadro tenso, mas que não é explorado no seu potencial. Muito se anuncia, mas pouco chega, de fato, a se concretizar. A impressão que se tem pela maior parte do tempo, e confirmada nos minutos finais do último episódio, é que os elementos aqui expostos servem apenas como iscas para um desenrolar que só será melhor analisado futuramente.

Muito do que é visto nesse ano de estreia de Das Boot não chega a ser revolucionário, mas é feito de forma competente e precisa, possibilitando ser conduzido pelos acontecimentos na ordem em que eles vão se acumulando. A se lamentar, portanto, apenas a insistência em aliar sua história, através de um título mais chamativo do que factual, a um texto clássico e há muito disseminado. Caso fosse feito de forma independente, sem essa frágil e dispensável ligação, talvez penasse mais para encontrar seu público, mas é provável que esse fosse mais fiel e comprometido com o desenrolar dos eventos aqui registrados. Tanto é que, assim como no filme, essa primeira temporada se encerra com a volta do submarino e a liberação de seus tripulantes. Sem o ‘barco’ que servia ao menos como desculpa, o que será inventado numa segunda rodada de episódios? A ambição, como se vê, é causadora também das principais ressalvas a respeito de um programa que, não fosse por isso, teria o suficiente para se firmar sem o auxílio destes laços desnecessários e até mesmo incômodos, pois implica uma responsabilidade que nunca é alcançada por completo.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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