Crítica


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Sinopse

Marcus Lopez, um adolescente desiludido com a vida, é selecionado para estudar na escola secundária para assassinos. Enquanto é submetido a treinamentos rigorosos e tenta manter seu currículo impecável, esse jovem ainda precisa ter em mente que, no mundo em que ele vive, qualquer descuido de sua parte pode ser fatal.

Crítica

Em Deadly Class, é como se personagens equivalentes aos de Esquadrão Suicida (2016) frequentassem Hogwarts, mas, diferentemente das aulas de poções, feitiços e afins da saga Harry Potter, tivessem lições de assassinato, envenenamento e por aí vai. Tudo isso em meio a uma subversão brutal (mas análoga) do ambiente escolar secundarista de Clube dos Cinco (1985). Para completar a base desse molho saboroso, o protagonista, Marcus (Benjamin Wadsworth), é, guardadas as devidas proporções, correspondente à Bella da saga Crepúsculo, com a diferença de não ser disputado por um lobo e um vampiro, mas por uma mexicana e uma japonesa igualmente fatais. Ele chega à escola King's Dominion Atelier de Deadly Arts com fama de assassino impiedoso, pois a ele é imputada a responsabilidade pelo incêndio no orfanato no qual morava até há pouco tempo e a consequente morte de muitas crianças que, desse modo, padeceram carbonizadas.

Passada a fase de apresentação dessa instituição de treinamento – a King’s é um local para adestramento de assassinos, alguns com “pedigree”, outros não – as tramas se aproximam de similares ambientadas nos secundários de colégios estadunidenses, ou seja, com dramas adolescentes prevalecendo, mas, neste caso, temperados pelas peculiaridades da pegada violenta e embebida de referências. Nem todos são o que parecem nesse ambiente estratificado, onde representantes de máfias como a Yakuza, os carteis mexicanos e os neonazistas, para citar apenas três, são impelidos a humilhar alunos sem linhagem "nobre", os chamados “ratos”, tais como Marcus. No entanto, a despeito de sua condição de matriculado de segunda categoria, é a partir de sua presença que as demais pessoas se movimentam. Elas gravitam em torno dessa figura niilista, cujo desejo é matar o então presidente Ronald Reagan. Vale lembrar que o enredo se passa no ano de 1987.

Baseada nos quadrinhos homônimos, Deadly Class carrega sua origem com gosto para a tela, oferecendo uma narrativa recheada de autorreferências, algo que pode ser observado nos flashbacks especialmente detidos nas tristes histórias de cada personagem central fora da King’s, apresentadas por meio de animações. Marcus teve os pais mortos, simultaneamente, por um doente mental que se jogou de um prédio; Saya (Lana Condor) é uma assassina que, apesar da pose de forte, ambiciona coisas comuns aos jovens; Maria (María Gabriela de Faría) foi cooptada pelo cartel que matou sua família e vive presa a um relacionamento abusivo; Willie (Luke Tennie) precisa manter a fama de durão, mas é um sujeito doce e avesso à violência; Billy (Liam James) deseja matar o pai que o colocou como moeda de troca na negociação com credores; Petra (Taylor Hickson) é a gótica que esconde seus sentimentos; e, por fim, Lex (Jack Gillett) é inconsequente punk britânico de bom coração.

Essa fauna carismática e excêntrica faz de Deadly Class uma série divertida. Bastante brutal graficamente, é fundamentada nos problemas relativamente comezinhos. Sem desmerecer a importância das articulações escusas das várias organizações criminosas que matriculam seus “futuros” na King’s, os realizadores acabam voltando as atenções, deliberadamente, aos amores mal resolvidos, às encruzilhadas a serem encaradas quando a vida adulta e as responsabilidades se avizinham, e às carências que, uma vez distorcidas pelo ambiente, provocam situações extremas. Marcus é dado a proferir sua desesperança quanto ao ser humano, enfileirando pensamentos negativos/realistas acerca da condição existencial. Todavia, o não aprofundamento nisso e até certa caricatura desenhada a partir da recorrência a uma suposta profundidade juvenil são sintomas da pegada pop que sobressai no conjunto. Visualmente forte, a série não poupa no sangue e na agressividade.

Há questões políticas intrinsecamente ligadas ao comportamento das pessoas em Deadly Class. Por exemplo, o simples fato de Marcus querer matar Ronald Reagan, um notório conservador, dá indícios dessas sinalizações esparsas que passam, inclusive, pela participação de um russo socialista, Viktor (Sean Depner), de sotaque intencionalmente estereotipado, e da neonazista cheerleader, Brandy (Siobhan Williams), coadjuvantes de luxo por aqui. Um dos episódios, inclusive, é calcado justamente na deflagração da diferença de classes dentro da King’s, com estudantes privilegiados em virtude de seu sobrenome impondo-se aos considerados escórias por não terem correndo em suas veias o sangue de uma grande família malfeitora. Além disso, há o nêmeses de Marcus, garoto autointitulado Cara de Merda (Tom Stevens) que reúne um exército de caipiras representantes da “América profunda”, uma nação preconceituosa e violenta, figuras decalcadas diretamente de filmes tais como Quadrilha de Sádicos (1977) e O Massacre da Serra Elétrica (1974).

Ainda que haja um desperdício quanto ao aproveitamento das pontuações políticas, elas são suficientemente acessadas e reiteradas para conferir um estofo considerável a Deadly Class. A fim de ampliar esse mundo, há o conflito entre Lin (Benedict Wong), o diretor da escola e principal entre os guias que utilizam métodos nada ortodoxos de ensino, e sua irmã caçula, a impiedosa Gao (Olivia Cheng), cuja frieza representa bem os efeitos colaterais da submissão de alguém ainda muito jovem ao lado mais feio do mundo. Ela foi treinada desde criança para colocar suas missões e a integridade da família (como instituição) em primeiro lugar e se empenha para perpetuar isso. Aliás, falando do corpo docente, o grande destaque fica por conta do instrutor psicopata que dá aulas amarrado a uma cadeira de rodas, cujos movimentos são limitados devido à sua instabilidade mental. É uma clara alusão a Hannibal Lecter, inclusive com uma dinâmica, a da consulta a ele para pegar um lunático, fazendo link direto com O Silêncio dos Inocentes (1991), base desse professor insano.

Também há o episódio decalcado de Clube dos Cinco, com personagens copiando movimentos dos adolescentes de John Hughes igualmente confinados à detenção. Deadly Class é uma salada de referências bem articuladas. As perdas quanto à esfera política não chegam a afetar a consistência do todo. As cenas de ação são bem coreografadas, a sanguinolência soa absolutamente condizente com o ambiente construído para, no fim das contas, apresentar as tensões que inevitavelmente atravessam a transição de qualquer um entre a infância e a vida adulta. O Cara de Merda é, seguramente, o mais grotesco dos antagonistas, desesperado para conseguir a atenção que a mídia confere aos assassinos seriais, irritado pela notoriedade transferida por engano ao seu antigo colega de quarto, do qual abusava, como atualmente faz com cães e asseclas. Estilizando a violência sem com isso banaliza-la, a série é uma pitoresca viagem pelos corredores dessa instituição cheia de adolescentes com hormônios fervilhantes, mas armados e incentivados a canalizarem isso à atuação mortal.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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