Crítica


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Sinopse

Incumbido da difícil missão de solucionar o caso do assassinato de um menino de 14 anos, o promotor Andy Barber precisa encarar uma reviravolta dolorosa quando seu filho, Jacob, é apontado como um dos principais suspeitos.

Crítica

É muito fácil reduzir a minissérie Em Defesa de Jacob a um simples caso de “ele é ou não culpado?”. No entanto, o programa baseado no livro homônimo de William Landay é mais do que isso – felizmente. Afinal, produções audiovisuais – filmes, telefilmes, séries e outros tantos similares – que se debruçam no ‘caso da semana’, tratando apenas de vítimas e culpados, é o que mais se vê por aí. Tanto é que, na busca de se diferenciar dentre esse oceano de opções tão semelhantes entre si, este aqui se ocupa de buscar outros pontos de vista, ainda que sigam relacionados com o evento deflagrador da ação: a morte de um estudante. E se o que motiva a curiosidade inicial seria a busca pela identidade do assassino, imediatamente esse interesse exerce uma curva fora do trajeto mais comum passa a se direcionar a um dos suspeitos. Se é culpado ou não é algo a ser especulado, é claro, mas não chega a assumir o cerne da questão. O que de fato importa é como a família irá reagir a partir do momento em que essa sombra os atinge.

São apenas três pessoas, mas cada uma dona de uma personalidade mais forte do que a outra. Andy Barber (Chris Evans, voltando à televisão após sua estreia no seriado juvenil Opposite Sex, 2000) é um promotor público bem conceituado e bastante atuante na comunidade onde vivem. Tanto é que, quando o corpo do garoto morto é descoberto, ele é um dos primeiros a ser chamado à cena do crime. Laurie (Michelle Dockery, vista há pouco em Magnatas do Crime, 2019) é a mãe e esposa, um profissional de igual sucesso em sua área – trabalha em uma organização assistencial – e divide com o marido e filho as tarefas da casa, sem privilégios nem abusos de uma parte ou de outra. E por fim há Jacob (Jaeden Martell, de It: A Coisa, 2017), o menino calado, que passa a maior parte do tempo no seu quarto jogando videogames ou no computador falando com colegas, aquele que nunca deu problema, mas também não despertou maiores atenções – ao menos até agora.

Sim, pois quando o fato se torna público, Jacob é um dos primeiros a ser acusado como responsável – e pelos próprios amigos, em comentários nas redes sociais. Quando o que podia ser visto apenas como boato vem à tona, a consequência imediata é a retirada de Andy do caso – era ele que estava liderando as investigações. De acusador, passa a ser acusado. Pois não importa se o rapaz – seu filho – fez ou não o que alguns afirmam como verdade. É a suspeita que termina por falar mais alto. E assim passam a ser vistos sob outros olhos. O pai precisa se concentrar no que tão bem fez por tanto tempo e buscar outros possíveis culpados. A mãe também perde o emprego – como irá ajudar os outros quando é ela que está precisando de auxílio? – e o dia a dia dos dois adultos se vê resumido a acompanhar as consequências que vão sendo impostas ao filho. Mas o que esse tem a dizer? Por que continua se comportando como um adolescente inconsequente – por mais que seja exatamente isso que ele é. Será que não percebeu as condições extraordinárias em que se meteu e que é chegada a hora de, enfim, mudar sua postura?

É curioso acompanhar também como cada um dos pais irá reagir diante da interferência que a situação proposta provoca em suas vidas. Ao mesmo tempo em que o pai é uma rocha sólida e inabalável, que segue crente da inocência do garoto, a mãe aos poucos vai mudando sua visão, se mostrando o ponto frágil a ser explorado. É ela que identifica momentos do passado que se relacionariam com o que estão vivendo agora, que pensa na própria cria como um ser humano falho e, por isso mesmo, capaz até da maior das atrocidades. Andy tem seus motivos para lutar tão bravamente contra qualquer imagem diferente daquela que idealizou para si e sua família, e à medida que o seriado vai avançando, isso é também explorado – basta dizer que o oscarizado J.K. Simmons tem participação fundamental dentro desse novo contexto – mas por mais que Laurie não seja aquela mãe “leoa”, a “mãe coragem” capaz de enfrentar tudo e todos pela sua prole, é por esse perfil repleto de dúvidas que alcança uma maior identificação com a audiência. Ela não o vê mais como uma criança, como parte de si, como sua responsabilidade final: em sua frente está um homem, e por isso, também capaz de responder por suas próprias atitudes.

Mas ela não se isenta da participação no ser que ele se tornou. Se há um misto de culpa e indignação com os destinos trilhados, há também aceitação em buscar dentro de si uma resposta para tudo aquilo. Há um mérito enorme no trabalho de Dockery, que em apenas oito episódios mostra uma capacidade dramática até então insuspeita, revelando nuances e uma versatilidade que em seis temporadas (e mais um filme) de Downton Abbey (2010-2015) nem seus fãs mais atentos chegaram a imaginar. Da mesma forma, Evans atinge com precisão um equilíbrio delicado, seguindo confortável na pose do Capitão América capaz de salvar a todos, ao mesmo tempo em que vai refazendo suas convicções à medida em que elas são confrontadas. A ligação estabelecida entre os dois é fundamental para garantir empatia até mesmo para um necessariamente apático Martell, o elo mais delicado do trio. Além disso, o diretor Morten Tyldum (indicado ao Oscar por O Jogo da Imitação, 2014) e o roteirista Mark Bomback (que já passou por sagas como Duro de Matar, Planeta dos Macacos e Divergente), se acertam na dinâmica familiar, também deslizam em tramas paralelas, como o caso do pedófilo que mora nas redondezas, que nunca é desenvolvido a contento, ou mesmo o depoimento presente do protagonista, cujas motivações, quando reveladas, tem mais gosto de anticlímax do que qualquer outra coisa.

Se trazer Chris Evans para um projeto da recém lançada AppleTV+ foi mais um acerto da plataforma (assim como a premiada The Morning Show, 2019), o desenrolar da trama é competente o suficiente para justificar o interesse despertado. Mas é preciso reconhecer também que Em Defesa de Jacob padece das comparações com o livro original, um best seller que, por si só, guarda uma legião considerável de admiradores – e defensores. Sendo assim, as (poucas) mudanças que propõe, guardadas basicamente para o último episódio, terminam por proporcionar um desfecho não apenas distinto, mas também covarde em assumir algumas das decisões mais difíceis e polêmicas do autor. Sabe-se de antemão que a vontade de agradar a todos é meio caminho para a decepção, basicamente o que acaba por se repetir por aqui em um ou outro nível de percepção. Longe de prejudicar a experiência como um todo, ainda que deixe claro que o potencial vislumbrado guardava um caminho ainda mais auspicioso a ser trilhado, e que acaba sendo percorrido apenas em parte. Um aceno atraente, mas frustrante por não ir além da promessa.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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