Crítica
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Sinopse
A história acontece na agência de talentos ASK acompanhando os profissionais da casa. Matias é o verdadeiro empresário que tem um olhar para os negócios, Gabriel o sonhador, amante das artes e de atores, e Andrea é uma femme fatale que poderia ser uma estrela. Camille vai viver para Paris e aproveita a oportunidade de ser assistente de Andrea.
Crítica
Os conflitos e os laços se intensificam na terceira temporada de Dez Por Cento. Se do primeiro para o segundo ano quase não existiam diferenças no tom, na modulação da história, bem como na forma dos personagens fixos e talentos interagirem, aqui as coisas ganham nuances distintas. Especialmente nos episódios iniciais, os grandes nomes do cinema francês continuam em destaque, como naquele hilário em que Jean Dujardin interpreta uma deliciosa caricatura. Ele vive alguém que não consegue desligar-se do ermitão interpretado recentemente, permanecendo sem tomar banho, se alimentando de animais crus e momentaneamente incapaz de assumir outro trabalho. Sua agente, Andréa (Camille Cottin), faz das tripas coração para reverter a situação, isso em meio às exigências específicas da gravidez que modifica drasticamente a sua rotina. Aliás, se há algo que perde um pouco em complexidade é sua relação com Colette (Ophélia Kolb), retomada bem pontualmente assim que esta demonstra enorme insegurança quanto ao fato de poder assumir legalmente a maternidade da menina prestes a nascer. Mas, há várias teias muito bem tecidas abaixo dos radares, prenúncios de mudanças.
Dez Por Cento aumenta a voltagem dos segredos, das relações escondidas e das intenções interditadas. Andréa e Gabriel (Grégory Montel), fartos dos desmandos de Hicham (Assaad Bouab), decidem começar a planejar uma saída estratégica. Camille (Fanny Sidney) e Hervé (Nicolas Maury) se tornam agente duplo, escondendo dos colegas a divisão de tarefas que inclui utilizar o mesmo nome para prospectar talentos. Já Mathias (Thibault de Montalembert) e Noémie (Laure Calamy), mergulham de cabeça num envolvimento extraconjugal que igualmente configura um ponto incógnito de tensão. Os responsáveis pela série lidam bem com essas confidências que unem as pessoas em duplas, cuja premissa é distanciar a verdade dos colegas como forma de autoproteção. Concomitantemente, surgem as demandas sintomáticas dos agenciados, numa estratégia basilar da série, um de seus atributos mais charmosos. Ela segue oferecendo também a possibilidade de aludir ao cotidiano de astros e estrelas, suas dificuldades, lutas, insatisfações e possíveis comportamentos mesquinhos.
Em Monica, vemos a atriz Monica Bellucci, considerada, além de talentosa, uma das mulheres mais sensuais do cinema, desabafando com seu representante, Gabriel, sobre inúmeras dificuldades amorosas. O toque de excelência está não exatamente no fato dela desejar relacionar-se com um “homem normal”, assim referindo-se a alguém que não faça parte do Olimpo ao qual são erigidos os habitantes do cinema, mas na constatação de que talvez seja difícil atingir esse desejo. A busca dela reflete, de maneira sensível, as turbulências afetivas que Gabriel precisa ultrapassar para voltar a reerguer-se após o rompimento doloroso com Sofia (Stéfi Celma). Já em Gerard, o mote norteador é a velhice, especificamente o modo nada lisonjeiro com o qual a Sétima Arte trata novidades a pão de ló e nem sempre confere o espaço devido aos ícones do passado, relegando-os a papeis incompatíveis com sua grandeza. Gerard Lanvin está excepcional como ele mesmo, tendo uma crise de ciúmes diante da possível ascensão do jovem inexperiente que, a despeito do excesso de euforia, tem talento suficiente para ir além da posição de garçom ocupada provisoriamente. É uma piscadela crítica à indústria.
Especialmente na sua metade derradeira, a terceira temporada de Dez Por Cento acentua o olhar aos personagens fixos. Embora ainda utilize as participações como indicativos de aspectos importantes do circo do entretenimento, o foco se estreita nas pessoas que frequentam a ASK cotidianamente. Hichan vai amolecendo com os colegas, mas sem deixar de exibir rompantes às vezes enervantes de autoritarismo. Uma celeuma ocasionada pela disposição atlética de Isabelle Huppert por filmar vários projetos ao mesmo tempo – outra autoparódia saborosa que uma estrela de primeira grandeza abraça com vigor –, gera um problema no horizonte que pode ser a desculpa perfeita para os veteranos se livrarem do novato endinheirado. Porém, o resultado da indisposição enorme é justamente contrário. Enquanto uns articulam planos maquiavélicos para assumir o poder (equilibrando intenções coletivas e desejos bastante egoístas), outros se mobilizam para defender o status quo após ansiarem por sua ruína. Existe uma perspicaz dança das cadeiras, com alianças reconfiguradas e expandidas, a fim de permitir ao programa uma lufada de novidade, sem radicalizá-lo.
A terceira temporada de Dez por Cento tem como grande mérito permitir pequenas mudanças que conservam o frescor e, ao mesmo tempo, reafirmar preceitos consolidados. Todos os personagens principais têm instantes para revelar anseios e mostrar-se, num recompensado esforço criativo do roteiro. Normal que alguns cresçam enquanto demais percam um pouco de terreno. No primeiro time estão Noèmie (ainda mais imprescindível) e Hervè. No segundo, justamente Camille, a grande protagonista da primeira temporada, cuja participação é minimizada dentro da crescente dinâmica de equivalência. Ressaltando elementos como fidelidade, carinho, atenção e, em semelhante medida, seus antônimos, a série consolida uma lógica de protagonismo pulverizado. Não se trata mais apenas de uma órfã descobrindo os bastidores do cinema enquanto persegue o reconhecimento do pai. São igualmente importantes as dúvidas da mãe de primeira viagem; as tentativas de apropriação do homem inclinado a estratagemas; a retomada do sujeito depauperado pela desilusão amorosa; a adequação do estrangeiro gradativamente encaixado por ali; e os anseios dos novatos que cavam seu espaço.
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