Crítica
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Sinopse
Mathias deixou a ASK, e levou Noémie consigo. Conseguirá Andréa, Arlette e Gabriel, sozinhos, manter a agência em funcionamento?
Crítica
A série francesa Dez Por Cento é um fenômeno internacional no nível de sucessos populares como o mexicano Não Aceitamos Devoluções (2013) – refilmado na França, Turquia e Brasil – o argentino Coração de Leão: O Amor não tem Tamanho (2013) – que ganhou releituras na Colômbia, França e Brasil – o francês Intocáveis (2011) – refeito na Índia, Argentina e Estados Unidos – ou o italiano Perfeitos Desconhecidos (2016) – que, até o momento, já possui mais de vinte versões ao redor do mundo, em países como Grécia, Espanha, China, Rússia, Armênia, Japão, Israel e Islândia, entre outros. O curioso, no entanto, é que todos os citados acima são filmes, enquanto que aqui nos deparamos com uma produção não apenas seriada, mas com, até o momento, quatro temporadas completas já lançadas. Para se ter uma ideia, até o momento foram produzidas adaptações similares no Canadá, Turquia, Índia e Inglaterra, sendo que uma outra nas Filipinas também está a caminho. Se for levado em conta ainda que esta quarta temporada foi a mais bem sucedida – ganhou o Emmy Internacional e foi indicada ao Bafta e ao Critics Choice – não causa espanto que, mesmo após um hiato de dois anos, um quinto ano acaba de ser confirmado. Pois, para além do excepcional que chama atenção de partida, há um lado humano em cena muito forte, com emoção suficiente para garantir a permanência da audiência por mais do que uma única leva de episódios.
Há duas camadas de leitura em Dez Por Cento. A primeira, mais evidente, diz respeito aos astros convidados em cada episódio. Afinal, está aqui se falando de uma agência de talentos – o percentual do título é uma referência ao quanto se ganha com cada contrato de trabalho fechado – que lida com os maiores nomes do cinema, teatro e televisão da França. Neste quarto ano, os nomes selecionados não são menos impressionantes do que os vistos em temporadas anteriores: Charlotte Gainsbourg, Franck Dubosc, Nathalie Baye, José Garcia, Guillaume Gallienne, Sandrine Kiberlain, Jean Reno e a hollywoodiana Sigourney Weaver. Essa “renovação automática” de interesse é garantia de algo novo a cada capítulo, propiciando também uma camada extra de voyeurismo, pela suposta proximidade que se tem com cada artista – afinal, são vistos em suas intimidades, e não apenas em ação nos palcos ou nas telas. Da mesma forma, cria-se no espectador uma zona difusa entre realidade e ficção que é bem-vinda ao programa. Estão todos interpretando a si mesmos, mas é importante lembrar: uma versão ficcional de si mesmos. São eles, mas não aqueles exatos. E essa dissociação, ainda que se faça necessária, pelos realizadores é usada a favor dos dilemas imaginados e vividos pelos personagens – e não por suas versões reais.
Dessa forma, até mais do que em anos anteriores, o que se verifica é como a antecipação do fim – originalmente, Dez Por Cento deveria, de fato, acabar com essa temporada – agrupou um tema em comum a ser explorado pela maioria dessas participações especiais: a velhice e a expectativa por um desfecho digno com a jornada apresentada até aquele momento. Com exceção de Gainsbourg, envolta pela dificuldade de escapar de um projeto que aceitou sem ler o roteiro apenas por ter sido convite de um dos seus melhores amigos (e, não por acaso, o dela é o capítulo de estreia), todos os demais, de uma forma ou de outra, se veem tendo que lidar com o fim próximo. Dubosc está no meio das filmagens de um longa ao lado de um ator muito mais jovem, e ambos possuem medos e inseguranças oriundas de inevitáveis comparações entre eles. Garcia se vê fragilizado ao se reencontrar com um amor de vinte anos atrás a ponto de colocar em risco o próprio projeto no qual está envolvido no momento. Já Kiberlain, por sua vez, está cansada de ser uma atriz de carreira consolidada (“já tenho dois César, para que vou querer mais um?”), e busca na inquietação profissional o segredo para se manter na ativa.
Os dois últimos, no entanto, se mostram plenamente adequados àqueles que podem, também, ser a despedida do programa. Sigourney chega a Paris acreditando ter sido chamada para um filme no qual será o interesse romântico de um ator de 35 anos, apenas para descobrir que a confusão foi sua e que os produtores imaginam um idoso como seu par. Cheia de energia e determinada a mudar a ordem das coisas que lhes são impostas, abala as estruturas até fazer valer seu ponto de vista: “se fosse um homem no meu lugar, ninguém aqui se espantaria pela demanda de um romance com alguém mais novo”. Jean Reno, por sua vez, está cansado a ponto de anunciar sua aposentadoria. Mas é assim que irá se recolher, em meio ao stress de uma frustração, ou antes deverá preparar o terreno para um adeus no mais alto nível? Essa é também a preocupação do programa. Nesse ponto, a outra – e mais vivaz – linha narrativa se mostra presente: as histórias dos agentes, aqueles que servem de ligação para esses astros e estrelas com os filmes e séries que os tornaram famosos. Como Andréa (Camille Cottin, de Casa Gucci, 2021), Mathias (Thibault de Montalembert, de O Rei, 2019), Gabriel (Gregory Montel, de O Professor Substituto, 2018) e Arlette (Liliane Rovère, de A Dona do Barato, 2020) irão se despedir?
No encerramento do terceiro ano, Mathias e Noémie (Laure Calamy, de Minhas Férias com Patrick, 2020) saem da agência ASK, partindo para novos desafios: ele vai ser produtor, e ela, sua amante, assumirá como seu braço direito. Assim, Andréa terá que coordenar sozinha o escritório – e sua vida pessoal – ainda mais após Hicham (Assaad Bouab, de Inventando Anna, 2022) voltar para Londres e Colette (Ophélia Kolb, de O Bom Doutor, 2019), sua esposa, a deixar por não conseguir lidar com as constantes ausências profissionais da companheira. Mãe solteira, terá pela frente também a preocupação com uma concorrente muito próxima, Élise (Anne Marivin, de A Riviera Não é Aqui, 2008), com quem se verá obrigada a se associar em uma arriscada estratégia para manter os negócios na ordem do dia. Enquanto isso, Gabriel tentará recuperar o amor de Sofia (Stéfi Celma, de Bala Perdida, 2020), Hervé (Nicolas Maury) irá se deparar com uma nova vocação profissional e Camille (Fanny Sidney, de Hipócrates, 2014) seguirá entre a busca pelo afeto paternal e a independência na profissão. Os dramas de cada um, como se percebe, não mudam muito. Mas seus envolvimentos seguirão em alta, justificando a manutenção de um interesse renovado.
Criada por Fanny Herrero (que já lançou, depois, outra série de comédia, Faz-me rir, 2022), Dez Por Cento chama atenção, primeiro, por esse olhar pelos bastidores de artistas famosos e, para muitos, inalcançáveis. Mas o que prende a audiência é, mesmo, a humanidade de seus protagonistas, envoltos por questões bastante familiares e, aí sim, íntimas: a busca de um amor, a formação de novos laços, a solidez de amizades verdadeiras, a possibilidade de tanto torcer pelo outro como vibrar por cada conquista particular. Nesta quarta temporada, não há tantos ápices ou reviravoltas como em anos anteriores, e alguns dos seus desdobramentos talvez não funcionem como o esperado – tanto pela antecipação previsível como pela repetição de caminhos conhecidos – mas ao menos o nível do conjunto se mantém, justificando uma aposta que, com o passar do tempo, ganhou ainda mais força e solidez.
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