Crítica


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Sinopse

Em 1897, na iminência da virada do século, na Transilvânia, um conde que bebe sangue traça seus planos contra a Londres vitoriana. Uma nova versão para a clássica história escrita por Bram Stoker.

Crítica

Como fornecer ângulos diferentes a uma história contada anteriormente de várias perspectivas distintas? Os realizadores de Drácula, minissérie baseada no livro homônimo de Bram Stoker, optaram por estabelecer fortes pontes com vários dos elementos clássicos do cânone. Todavia, há uma releitura bem-vinda, que às vezes trisca na metalinguagem pela forma como o mito antecede a ação. Assim, quando o protagonista surge em cena, as restrições vampirescas à luz do sol, a necessidade de ser convidado para entrar devidamente nos lugares e a dependência do repouso no solo de sua terra natal não são apenas mencionadas, mas dispostas como mitologia precedente. O itinerário verdadeiramente instigante, sobretudo na mais bem-sucedida das fases desse conjunto desigual, aqui denominada clássica, se dá pelo modo como o enredo literário e as principais crendices relativas aos chupadores de sangue se retroalimentam constantemente durante a trama.

O Drácula de Claes Bang (ele que está excelente no papel) é um herdeiro direto do personagem delineado por Bela Lugosi em 1931 no filme de Tod Browning. Trata-se de uma aberração sedutora e aristocrática que esconde um comportamento monstruoso atrás do semblante distinto e charmoso. Mas, curiosamente, também há alusão ao Conde Orlok de Max Schreck, estrela da versão não autorizada levada a cabo nos anos 20 do século passado por F. W. Murnau. Toda vez que o morto-vivo passa por um espelho é revelada a sua natureza deformada por séculos de matança e pela busca desenfreada de algo não nominado. Outra força da minissérie está na interação com a irmã Agatha Van Helsing (Dolly Wells). O sarcasmo do nobre encontra resistência à altura na ironia da religiosa longe de demonstrar uma atitude heterodoxa ante a própria fé. Ela chega a comparar sua condição de freira a das tantas mulheres que, asfixiadas em casamentos sem amor, acabam se resignando por conveniência.

Drácula, especialmente no segundo episódio, expande a lógica instituída por Bram Stoker ao mostrar os eventos que marcaram a matança no navio rumo à Inglaterra. Ainda que existam sintomas de esquematismo, vide os coadjuvantes sucumbindo previsivelmente, como se estivessem numa fila óbvia em direção à morte, é estimulante acompanhar o estratagema de Drácula para melhor adaptar-se ao “Novo Mundo”. Aliás, se há uma engrenagem mal trabalhada na minissérie é o fato do vampiro acumular as experiências das vítimas. São insuficientes, justamente porque abrem portas pouco exploradas, as menções à imprescindibilidade dessa capacidade a fim de que o protagonista consiga se adaptar de maneira eficiente aos  tempos vindouros. O conjunto está repleto desses desperdícios infelizes de boas sacadas, geralmente por conferir pouco tempo ao desenvolvimento das mesmas no esqueleto que comporta três episódios longos.

Porém, o maior ponto fraco está na transição (ainda que corajosa) após o encerramento da segunda parte, cujas implicações são apressadas a fim de caber nos cerca de 90 minutos, assim impondo uma correria. A ambientação da continuação na Londres contemporânea traz alguns conceitos com consideráveis doses de perspicácia, repletos de potencial, como os mortos-vivos que ficam vagando após os seus passamentos. Entretanto, não há disposição para deixar que esses entendimentos amadureçam devida e gradativamente na tela. Dolly Wells passa a interpretar outra personagem, cuja ligação com uma antepassada é vital à compreensão dos caminhos a serem percorridos pelo conde imortal. Nem a “noiva perfeita” interpretada por Lydia West é bem aproveitada nessa desabalada carreira de ligações construídas e reconfiguradas de modo frouxo na trama. Uma lástima, realmente, que o diálogo com a atualidade seja célere e sem consistência.

A despeito de mortos, feridos e redivivos, Drácula opera numa linha tênue entre a reverência ao cânone do personagem e de suas representações mais conhecidas, inclusive as do cinema – chegando, nas sequências de sonho, a construir um elo com filmes antigos centrados no nobre da Transilvânia – e a tentativa de imaginar como essa figura se encaixaria no mundo em que vivemos hoje. A escolha da próxima vítima por meio de aplicativos de relacionamento, a utilização das ferramentas jurídicas que garantem liberdade ao ser sobrenatural em determinado momento, as pesquisas nebulosas de uma fundação mantida com o dinheiro de um doador misterioso, tudo isso é um tanto jogado displicentemente na narrativa, criando expectativas não plenamente satisfeitas. E esse gosto agridoce fica ainda mais acentuado no encerramento, uma sequência abarrotada de fundamentos incitantes, como o questionamento das crendices enquanto balizas da existência, mas, assim como boa parte da minissérie, combalidos pela falta de disposição para sorver calmamente os sabores do momentos.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.