Crítica


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Sinopse

Num mundo sem tecnologia avançada, os telepatas se tornaram o único mecanismo da humanidade para a comunicação a longa distância. Mas seus poderes têm implicações não intencionais. Quando o público começa a abraçar capuzes misteriosos que os bloqueiam, dois detetives com um passado emaranhado são trazidos para investigar.

Crítica

Um das características mais marcantes da obra do escritor Philip K. Dick é a sua capacidade de lançar luzes bastante singulares em circunstâncias recorrentes historicamente, independentemente da ambientação. Isso denota a natureza cíclica de alguns processos socialmente sintomáticos. Por exemplo, em The Hood Maker, primeiro episódio da antologia fundamentada em contos e livros do norte-americano, Eletric Dreams, a grande questão posta é a fragilidade do conceito de individualidade. Em dado ponto um personagem, referindo-se ao passado relativo à nossa contemporaneidade, diz que a privacidade outrora ameaçada pelos dispositivos eletrônicos não foi nada perto da realidade em que humanos diferentes, os chamados telepatas, conseguem ler integralmente boa parte da população. Não há limites, segredos, dissimulações que resistam a essa faculdade excepcional que pode ser opressora.

O diretor Julian Jarrold não mergulha no dilema instaurado pela simples existência dos telepatas, cidadãos discriminados sobremaneira pela parcela da população denominada “normal”. O Estado resolve utilizar os serviços dos extraordinários, estes relegados no mais das vezes a guetos. Uma delas, Honor (Holliday Grainger), é recrutada pela polícia. Ao lado de seu novo parceiro, o agente Ross (Richard Madden), precisa extrair de possíveis contraventores informações cruciais a resolução dos casos. A cena dela arrancando violentamente dados de um prisioneiro, em meio a isso revirando segredos e sensações de teor perturbadoramente íntimo, configura um novo nível de tortura, legitimada pelo poder instituído. Pena a série não se deter nessa constatação da instrumentalização arbitrária das habilidades de quem é tido como escória.

O principal ponto fraco de The Hood Maker, e que diminui o espaço do desenvolvimento das indagações filosófico-existencialistas inerentes à premissa, é a construção do romance entre os parceiros de campo. Durante a investigação concernente aos misteriosos capuzes que bloqueiam a leitura dos telepatas, cuja utilização pode servir para proteger os “normais” da varredura mental, mas também tende a ser centralizada como política de coerção dessa população escanteada, Julian Jarrold se foca demasiadamente no enredamento romântico entre Ross e Honor. Isso aponta à necessidade de criar bases à instauração do dilema emocional e ético que caracteriza o último terço do episódio. Mesmo entre o amor e o dever, a paixão e a tarefa à qual foi incumbido, Ross acaba se mostrando um personagem pouco consistente, a despeito do óbvio protagonismo.

Eletric Dreams começa demonstrando predicados de produção, vide os cenários retrofuturistas convincentes – repare nos automóveis antigos destoando deliberadamente das ruelas carcomidas pela distopia impressa igualmente no comportamento dos personagens –, a direção de arte caprichada e a fotografia sofisticada. Acenando acintosamente para Blade Runner: O Caçador de Androides (1982), outro exemplar baseado numa criação de Philip K. Dick, The Hood Maker apresenta um detetive de sobretudo e comportamento à moda antiga, um futuro comprometido por decrepitudes pessoais e coletivas, além do agravamento das tensões pela exacerbação de preconceitos observáveis hoje em dia. Fosse atento à densidade das situações, menos preocupado com o casal a ser separado para reforçar o pessimismo, e as coisas poderiam ser ainda melhores.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.