Crítica


7

Leitores


1 voto 8

Sinopse

Dois agentes de turismo interplanetário, acostumados a florear a realidade para deixa-la mais atrativa aos visitantes, são contratados por uma anciã que deseja conhecer o planeta Terra. Todavia, mesmo aceitando o dinheiro oferecido, eles escondem a verdade de que o planeta azul não existe mais.

Crítica

Impossible Planet, segundo episódio da antologia Eletric Dreams, começa apresentando um espetáculo pirotécnico que faz da realidade algo bem mais aprazível aos olhos dos pagantes em deslocamento. Agentes de turismo interplanetário, Norton (Jack Reynor) e Andrews (Benedict Wong) aplicam filtros que modificam a saturação das cores, aparentemente fidedignas, mas distorcidas pelo para-brisa da nave espacial que lhes serve de embarcação de passageiros. Fica implícito o questionamento: qual a relevância da integridade da verdade quando o artifício a floreia até torna-la excepcional? E ele também ressoa no núcleo da premissa dessa segunda parte, um pacote de visita à Terra, com o agravante do planeta azul não existir. Irma (Geraldine Chaplin), do alto de seus mais de três séculos de vida, quer, como aventura derradeira, visitar o lugar no qual a falecida avó foi bastante feliz. Os trabalhadores aceitam a grana preta, dispondo-se a mentir quanto ao destino.

Norton, o protagonista de Impossible Planet, sofre pelas expectativas da noiva por uma vida movimentada na metrópole. Embora o diretor David Farr aponte a essa turbulência, ela é explorada no limite do essencial, assim fornecendo um contato superficial com a insatisfação que determina alguns passos em meio à missão calcada numa lorota grosseira.  Enquanto ele, gradativamente, na medida em que interage com a contratante surda, cai em si sobre a falta de ética dessa jornada rumo a um planeta inexistente, seu colega defende com unhas e dentes, motivado pela soma enorme de dinheiro, a pouca importância da realidade diante de uma representação bem-sucedida o suficiente para extasiar. Ele chega a reivindicar para si o título de artista, ponderando que a sensorialidade é mais vital do que a noção de estar, efetivamente, onde se pretende.

O realizador entrecorta a interação entre Norton e Irma com flashs que podem ser entendidos como rememorações de um passado distante. De formas insuspeitas, tais fragmentos interligariam os personagens. Todavia, esses elementos, somados à semelhança impressionante entre o navegador e o avô morto, não são suficientes para deixar clara a natureza do elo. E isso cai num campo ainda mais nebuloso, aparentemente de modo não deliberado, com os desdobramentos da descida na substituta da Terra. A confusão entre realidade, sonho, reminiscência e devaneio, não sendo possível definir peremptoriamente a esfera na qual se encontram as pessoas implicadas naquilo, é uma engrenagem contraproducente. Essa indefinição que poderia, tão bem, ser circunscrita dentro de uma lógica poética, acaba soando como um fio desencapado e perigoso.

Impossible Planet tem na dubiedade do androide RB29 (Malik Ibheis) um trunfo. Ele é o guardião da anciã inclinada a acreditar na palavra dos jovens. Num momento, parece adequado à ideia de oferecer à sua empregadora o instante crepuscular de felicidade e realização na contemplação do suposto destino terráqueo, mas é possível perceber, nas entrelinhas, sua atitude oscilando, ainda que a finalidade seja realmente a alegria da patroa, num campo permissivo à agressividade. Esse episódio de Eletric Dreams, além da excelência fotográfica, do cuidado com a combinação de cores no ambiente da nave, isso a fim de substanciar os estágios, inclusive os emocionais, da viagem, tem personagens bem definidos e não aquela sensação de narrativa apressada. Fosse um pouco mais cuidadoso com o fim, amarrasse devidamente certas pontas, e seria excelente.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.