Crítica


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Sinopse

Depois que John comete um crime utilizando o manto do Capitão América, a imagem do super-herói fica arranhada. Sam precisa arrumar seus pensamentos quanto a assumir responsabilidades enquanto os Apátridas se reúnem.

Crítica

O penúltimo episódio de Falcão e o Soldado Invernal retomou o tom da estreia, ou seja, deixou um pouco de lado a ação desenfreada e focou nos personagens, especialmente nos dilemas e dramas que eles vivenciam. Para começo de conversa, a atitude irascível de John (Wyatt Russell) custou-lhe o título que tanto aparentemente o orgulhava. A cena da sentença pelos membros do alto escalão do Exército é instigante e densa, não pela punição em si a alguém que vinha sendo desenhado como inconveniente e perigoso, mas porque a conversa expõe algo bem mais profundo. O ex-Capitão América "vomita" diante dos superiores a desavergonhada hipocrisia do Estados Unidos, dizendo-se um produto das políticas dos engravatados. Pena a série não manter integralmente essa disposição por observar de perto o que está por trás de um jogo inerentemente perverso. A aparição da atriz Julia Louis-Dreyfus, interpretando uma agente famosa dos quadrinhos, colocou uma vírgula na presença ostensiva de John, pois lhe deu possibilidade de futuro no UCM.

O maior problema de Falcão e o Soldado Invernal é a oscilação da entonação dos episódios. Num, temos o quinhão trágico; noutro, piadinhas com os protagonistas se “bicando”; aí aparece um coadjuvante como Zemo (Daniel Brühl), capaz de roubar as atenções; em seguida, detém-se na missão dos Apátridas. Nessa quinta parte, especialmente pelo retorno à pegada do começo, fica claro que tudo não passa de uma desculpa para Sam (Anthony Mackie) entender, de uma vez por todas, que precisa assumir a missão confiada a ele por Steve Rogers. Para isso, nem tudo viram rosas no desenvolvimento narrativo. Rusgas são "magicamente" deixadas de lado em prol da amizade nata e engrenagens antes potencialmente fortes, como Zemo, são desarticuladas depois da utilização conveniente. Nos um pouco mais de 60 minutos dessa penúltima fração da minissérie, discursos e entendimentos passam a ser mais relevantes, sobretudo porque sustentam gestos que podem colocar tudo nos seus eixos. A questão principal é: quem assumirá o icônico escudo do Capitão América?

A jornada de conscientização de Sam passa pela discussão sobre a questão racial. O diálogo com Isaiah (Carl Lumbly) é um dos pontos altos de Falcão e o Soldado Invernal até agora. Ali, são expostos procedimentos do mesmo Estado que usou John e lhe regurgitou quando suas atitudes não foram aceitáveis publicamente – longe das câmeras, os pudores dos engravatados são bem menores. Na conversa sobre o trauma que o hoje idoso sofreu como cobaia torturada e descartada pela nação, o veterano se refere ao escudo do Capitão também como um estandarte da opressão à população negra no continente que apresenta resquícios fortes de um pensamento escravagista. Ele chega a dizer “você acha que realmente deixarão existir um Capitão América negro?”. Evidentemente, a série deixa nas entrelinhas a noção de que as mudanças do mundo atual passam inexoravelmente pela ressignificação dos símbolos. Está devidamente pavimentado o caminho para o que parece ser a razão de existir do programa: se tornar um rito de passagem literal, mas igualmente figurativo.

Ainda sobre Sam – chamado em certo ponto da trama sugestivamente de “Tio Sam” pelos sobrinhos –, o barco da família se consolida como metáfora da valorização do passado enquanto esteio à construção do futuro. Com a ajuda dos vizinhos, e de Bucky (Sebastian Stan), o Falcão começa a se colocar em ordem, garantindo a manutenção dos elos antigos e que, a partir da reverência à sua trajetória (e dos ancestrais), consiga pensar o lugar a ocupar nessa dura realidade carente de referências. No Universo Cinematográfico Marvel, sempre foi martelada a ideia da imprescindibilidade do Capitão América, seja do ponto de vista funcional (como imensa força de combate visando a defesa) ou da perspectiva inspiracional. Não à toa, a diretora Kari Skogland faz questão de mostrar meninos brincando com o tão cobiçado escudo, assim sinalizando que é urgente alguém de moral forte e determinação praticamente inabalável assumir o legado deixado por Steve. A resposta é dada.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.