Crítica
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Sinopse
Crítica
Boa parte do primeiro episódio da segunda temporada de Fleabag acontece num restaurante. Nesse espaço já é evidente a maestria prevalente até o clímax. A ocasião é festiva, com o pai (Bill Paterson) e a madrasta (Olivia Colman) da protagonista reunindo os parentes para celebrar a iminência da oficialização de sua união. Fleabag (Phoebe Waller-Bridge) não via a irmã há praticamente um ano, mas lhe socorre imediatamente numa situação tão inusitada quanto dramática. A jovem que passa a primeira temporada se debatendo com relacionamentos que não dão certo, encarando a família depauperada após a morte precoce da mãe, bem como remoendo a culpa por ter ferido os sentimentos de uma amiga querida, demonstra uma mudança significativa de comportamento, ainda que tenha preservado aquilo que a torna singular. Enquanto os demais esperam que ela, tida como instável e imprevisível, estrague a noite de alguma forma, Fleabag apresenta uma enorme presença de espírito, até aceitando os rótulos, mas apenas porque lhe são convenientes e úteis.
Do ponto de vista formal, Fleabag mantém-se fiel ao caminho outrora criado, mas suprime as visitas da mulher ao passado martirizante. Os arrependimentos não mais a condicionam, o que justifica a imersão menos habitual nas lembranças da amiga Boo (Jenny Rainsford). O foco se desloca a uma reconfiguração pessoal de Fleabag, a seu novo e sutil posicionamento no tecido familiar. Considerada uma espécie de ovelha negra, progressivamente assume a posição insuspeita de apoio ao pai e à primogênita Claire (Sian Clifford). Indício disso, a festa no escritório, em que crises são geradas pela mais nova, mas outras, bem maiores e profundas, são contornadas exatamente por uma veia protetora que emerge. O enfrentamento do cunhado e a felicidade ao perceber a possibilidade de virada na vida modorrenta da mana que ainda a trata entre carícias e pequenos golpes disferidos com o intuito de autoproteção são sintomas de uma transição gradual e orgânica.
As quebras da quarta parede seguem, assim como o texto afiado e inteligente. Porém, o artifício que estabelece uma ponte de cumplicidade entre a personagem e o espectador também é utilizado mais circunstancialmente, com parcimônia, adquirindo outras possibilidades com a entrada em cena do padre vivido por Andrew Scott. É uma conjuntura insólita o envolvimento amoroso desses dois tipos que habitam mundos praticamente distintos, mas que, com o passar do tempo, descobrem afinidades sobressalentes à mútua disposição cotidiana a falar palavrões. A excepcionalidade do vínculo atravessa a comunicação íntima de Fleabag conosco, uma vez que o padre, ao contrário de todas as demais figuras, percebe literalmente quando a mulher se dirige à câmera. Essa perturbação de uma lógica interna considerada basilar da série é uma das jogadas brilhantes desse segundo ano, uma sequência madura e potente que efetivamente apresenta evoluções rumo ao encerramento.
Os diálogos passivo-agressivos com a madrasta continuam dando a tônica dessa dinâmica, então mais melancólica que necessariamente sarcástica. A relação com Claire ainda é tumultuada por senões e nódoas não verbalizadas (para além das mencionadas repetidamente), mas entre elas começa a existir um maior impulso de acolhimento. O pai que tem dificuldades para acabar as sentenças dá alguns passos em direção à exposição de suas fragilidades, mesmo se mantendo refém de convicções firmes. E Fleabag prossegue errando eventualmente ao tentar acertar as coisas, colecionando casos fortuitos, expressando livremente seu desejo, mas agora se pegando mais disposta a correr atrás de quem a cativa. O fato do objeto de sua cobiça, amorosa e física, ser um padre dificulta os anseios, mas permite a erupção de questionamentos que passam pela abertura de portas a um sentimento novo, algo que encontra equivalência na devoção do clérigo para com Deus.
Assim como o homem de batina coloca em xeque a vocação e a fé, Fleabag, sem perceber, põe em crise a forma como anteriormente estruturava os seus relacionamentos. Sem alardes. Privilegiando essas descobertas ternas e naturais dos personagens, expressando a complexidade emocional e existencial por meio de um texto leve, mas de exímia capacidade para compreender as motivações e os infortúnios de cada personagem, Phoebe Waller-Bridge mistura drama e comédia com uma precisão fina. Ela estabelece um novo parâmetro quanto às séries congêneres debruçadas sobre os dilemas da mulher contemporânea que, assim como a protagonista, precisam lidar com o peso de suas escolhas, com as pressões sociais e com uma sociedade repleta de homens semelhantes àquele do qual se livra simplesmente ao elogiar o desempenho sexual. E a cena final é de cortar o coração, especialmente pela grande carga sentimental e simbólica contida num pequeno, mas definitivo, gesto.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 10 |
Robledo Milani | 9 |
Daniel Oliveira | 10 |
Bianca Zasso | 9 |
Lucas Salgado | 10 |
Sarah Lyra | 10 |
Francisco Carbone | 9 |
Rodrigo de Oliveira | 10 |
Francisco Russo | 10 |
Cecilia Barroso | 10 |
MÉDIA | 9.7 |