Crítica


6

Leitores


1 voto 6

Sinopse

Maya, Ainsley, Duffy e Craig são melhores amigos desde os tempos da faculdade. Três deles moram agora em Londres, enquanto que uma delas ficou em Nova Iorque. Quando é convidada para o casamento da melhor amiga na capital inglesa, é a oportunidade dos quatro se reencontrarem. Mas novos amores e antigas paixões também irão se manifestar.

Crítica

Não é nenhuma novidade a tendência de longas inspirados em seriados que fizeram sucesso na televisão anos – ou décadas – atrás. Agora, o contrário é mais raro. Mas é exatamente o que acontece em Four Weddings and a Funeral, série baseada no fenômeno Quatro Casamentos e um Funeral (1994), campeão de bilheteria (mais de US$ 250 milhões no mundo todo) que foi indicado a dois Oscars (inclusive a Melhor Filme) e consolidou a produtora inglesa Working Title (que se tornaria uma das mais influentes do mercado). Pois o roteirista desse filme, Richard Curtis, é quem responde pela produção do programa – garantindo, assim, a manutenção do espírito original. Mas a responsável por esse resgate – e também por tornar a história ainda atual, mesmo quase trinta anos após seu lançamento – é Mindy Kaling, uma das revelações de The Office (2008-2011) e que recentemente respondeu por Talk-Show: Reinventando a Comédia (2019), que chegou a ser indicado ao Globo de Ouro. E essa dupla trabalhou tão bem a ponto de apresentar em cena uma assumida comédia romântica, no melhor – e no pior – que o gênero abraça.

Pra começar, é importante que fique claro que, do filme, a série mantém apenas o nome e os eventos citados no título. Sim, continuam sendo os pontos altos da história os cinco incidentes apontados, mas dessa vez eles não são os únicos momentos em que o espectador irá se deparar com os personagens – que, aliás, são outros, completamente distintos daqueles interpretados por Hugh Grant e Andie MacDowell. O cenário, por sua vez, continua o mesmo – ao menos na maior parte do tempo. Londres é o centro da ação, mas ao invés de termos ingleses – e uma norte-americana – como protagonistas, a questão se inverte. Isso também para ser mais de acordo com os novos tempos, uma vez que entre os personagens principais temos uma moça negra e um rapaz paquistanês. Os quatro amigos se mantém, mas são todos de Nova Iorque, e escolheram a capital inglesa como destino após se formarem na faculdade – com uma única exceção, Maya (Nathalie Emmanuel, de Game of Thrones, 2013-2019), que ficou nos Estados Unidos trabalhando como redatora política. O reencontro, após tantos anos afastados, se dá logo no primeiro episódio, para o casamento de um deles.

Maya deixa Nova Iorque e vai até Londres para ser a madrinha de Ainsley (Rebecca Rittenhouse, de Era uma vez em... Hollywood, 2019). Antes de encontrá-la, ainda no aeroporto acaba tendo que lidar com Kash (Nikesh Patel, de Invasão à Londres, 2016) na busca de sua mala, que foi extraviada. Um flerte inocente ocorre entre eles, mas, até então, sem maiores consequências. O que nenhum dos dois imaginava, no entanto, é que voltariam a se encontrar ainda no mesmo dia: ele é o noivo da melhor amiga. E ainda que a atração que vai aos poucos se consolidando entre Maya e Kash seja a espinha dorsal da série, estão longe de se apresentarem como os únicos dignos de atenção. A galeria de personagens é um dos maiores charmes do conjunto, e mesmo figuras à princípio irritantes, como a vizinha Gemma (Zoe Boyle, de Downton Abbey, 2011), a fútil Zara (Sophia La Porta, de No Ritmo da Sedução, 2018), ou o sem noção Basheer (Guz Khan, de Se Joga, Charlie, 2019) acabam crescendo na trama, se tornando, cada uma ao seu modo, partes indissociáveis do todo.

Voltando ao quarteto que deu origem aos demais desdobramentos, além de Maya e Ainsley, temos ainda o bobo inocente Duffy (John Reynolds, de Stranger Things, 2016-2019), que é secretamente apaixonado por uma delas e sonha em ser escritor, e o contador Craig (Brandon Mychal Smith, de A Mulher Mais Odiada dos Estados Unidos, 2017), que sofre pela filha que só ficou sabendo que existia quando a criança estava em idade escolar, e também pela namorada, que por causa desse segredo acabará lhe trocando pela oportunidade de participar de um reality show. Aliados a eles, quase numa estrutura coral mal engendrada, há ainda o auxiliar de Ainsley, Tony Dois (Nathan Stewart-Jarrett, de O Menino que Queria ser Rei, 2019), que acaba se apaixonando pelo novo patrão de Maya, o deputado Aldridge (Alex Jennings, de A Senhora da Van, 2015), ou o divorciado por quem Ainsley descobrirá uma insuspeita atração (Dermot Mulroney, mantendo o ar de galã). Ainda que seja uma participação mínima e bastante pontual, há também o charme extra de conferir Andie MacDowell como a mãe de uma das protagonistas, mostrando que, mesmo tanto tempo tendo se passado, ainda continua dona de um carisma bastante particular.

Em dez episódios com pouco mais de 40 minutos cada um, Four Weddings and a Funeral acompanha essas figuras por uma jornada que parte de um casamento desfeito no altar, um velório inesperado, um matrimônio com ares de superprodução televisionado para toda a Inglaterra, uma troca de votos étnica respeitando as mais rígidas tradições e uma festa providenciada às pressas feita para celebrar o amor daquele que talvez seja o casal mais improvável do grupo. Fica evidente que as peças desse quebra-cabeça estão dispostas desde o primeiro capítulo. O trabalho, portanto, é acompanhar como cada uma delas irá se encaixando nas demais, abrindo espaço para desencontros, desentendimentos, ruídos e discussões, mas também arrependimentos, novos amores e pedidos de perdão. Questões como paternidade tardia, relacionamentos homossexuais, diferenças etárias, segundas chances, direitos dos imigrantes e dúvidas vocacionais são trabalhadas sem pressa, sempre no seu devido tempo.

Isso não quer dizer, por outro lado, que esse seja o mais profundo dos seriados. Em certos momentos, é bem o contrário que acontece. Soluções rápidas volta e meia são retiradas da cartola, reações imaturas acabam adquirindo dimensões desproporcionais e desfechos simplistas entram em movimento quando o conflito que devem resolver não mais interessa ao andar dos acontecimentos. Tudo isso, portanto, bastante identificável com o sentimento presente na grande maioria das produções do gênero. Afinal, por mais que se estenda por quase dez horas, ainda segue sendo o desenrolar da paixão daquele casal que estampa o cartaz, suas brigas e acertos e como, apesar de todas as desavenças e torcidas contra e a favor, os dois conseguirão ajeitar as coisas para, enfim, ficarem juntos e terem direito ao tão sonhado final feliz. Enfim, os méritos de Four Weddings and a Funeral estão além desses elementos óbvios mais do que esperados. É a despeito deles que a série funciona. E esse já é um acerto e tanto.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deRobledo Milani (Ver Tudo)