Crítica


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Sinopse

Em 2006, Sophia é uma jovem rebelde que largou os estudos. Aos 22 anos, e sem perspectiva, rodou os Estados Unidos de carona revirando lixo nas ruas, furtando lojas e trabalhando em funções subalternas só para garantir o seguro-saúde. Sua vida muda, a partir do momento que decide explorar seu interesse por moda vintage e abrir um brechó virtual no eBay.

Crítica

O trailer pode até não ser dos mais atrativos para um público amplo. Para quem já está na casa dos 30 anos, a pergunta é "quem é essa mimada e por que tem uma série sobre ela?". A participação da drag queen RuPaul pode até parecer um atrativo, mas, ainda assim, o tema é de causar desconfiança. Um episódio foi ok. Dois também. E aí a história realmente começa a crescer e a Nasty Gal vai mostrando as facetas por trás daquela fachada de garota egoísta que só quer saber de abrir e expandir seu próprio negócio. Girlboss é uma série que aposta em si sem parecer compromissada em desbancar a concorrência. E é por esta falta de ambição inversamente proporcional à sua protagonista que o produto ganha o espectador.

Sophia (Britt Robertson) é aquilo que todo jovem de 20 e poucos anos pertencente à chamada Geração Y clama ser: alguém que quer ser diferente da maioria, que não aceita ter que começar por baixo para ganhar sucesso na vida. Como a mesma fala logo no início do primeiro episodio, ela não quer ser adulta. E é o que suas atitudes vão confirmar nos primeiros capítulos desta saga de uma menina que, para realmente conseguir o que quer, precisa parar com a síndrome de Peter Pan e crescer. Com um emprego que não suporta como atendente de uma loja de sapatos, ela é demitida pela chefe (uma boa justa causa, por sinal) e resolve ir aos brechós da cidade gastar o pouco que tem no bolso. Sophia consegue uma jaqueta de couro dos anos 1970 por um valor ínfimo, customiza a roupa e vende por dezenas de vezes do valor original pelo eBay (espécie de Mercado Livre mundial). É o primeiro passo para que faça o mesmo com outros itens e se torne um grande sucesso comercial.

O ano é 2006, quando as redes sociais estavam recém começando a surgir, o Facebook não tinha o peso de hoje e o e-commerce também não. A história toda é baseada na biografia homônima de Sophia Amoruso, contando sua trajetória entre vários percalços para se tornar CEO da Nasty Gal, loja online que hoje custa mais de cem milhões de dólares e tem mais de 350 funcionários. A primeira temporada da série não chega à metade disso, apenas à fundação do site. Consequentemente, pelos vários perrengues que a protagonista passa até chegar lá. E não são poucos. Ao mesmo tempo que a vemos se debater em ideias para aumentar seu público-alvo e o embate que tem com outros brechós vintage (inclusive rendendo uma das mais inventivas dramatizações de um fórum online), também acompanhamos muito de sua vida pessoal. E como ela é sofrida neste quesito.

Devido ao seu comportamento destrutivo e egocêntrico, a protagonista é uma pessoa de pouquíssimos amigos. A relação com o pai, um endinheirado executivo, também não é das melhores, ainda mais que ele não acredita no potencial da filha. A mãe, então, que a abandonou quando pequena para viver uma fracassada carreira de atriz, é uma incógnita em seus dias. Ela ainda arranja um namorado que, assim como a própria, também está querendo alçar novos voos na carreira, o que pode ser um divisor de águas na relação (ecos de La La Land, 2016, inclusive). E é justamente esta difícil tônica entre pesar o emocional quebradiço de Sophia com seu faro materialista para negócios que faz a atuação de Britt Robertson merecer aplausos. A jovem atriz vai além do óbvio, descascando as camadas de sua personagem à medida em que os episódios vão aumentando as dificuldades com que Sophia se depara.

A série é o retrato de uma geração nascida de 1980 em diante que, ao chegar nos vinte e poucos anos, em plena era digital, não sabe pra onde ir. A caricatura da protagonista potencializa muita coisa que a gente não quer ver no próprio espelho: egocêntricos que querem ser vistos e revistos de todas as maneiras, atiram pra todos os lados em busca de sucesso profissional e, sem querer (ou com muita consciência), acabam deixando quem está ao lado partir. O verniz pode ser do girl power necessário para dar visibilidade e reconhecimento às mulheres que vão em busca dos próprios sonhos sem precisar de um "macho alfa" por trás. Porém, a trajetória dela mostra muito mais e que é quebrando a cara com apoio de quem a gente gosta que vamos adiante.

Talvez seja difícil simpatizar com Sophia quando a gente vê tantas burradas que ela faz com os outros. Tem que ter estômago. Mas quando a fragilidade dela vem à tona... Bom, nada como a gente olhar pra dentro e ver se já não foi igual a ela um dia – ou ainda é. Mais ainda: que a gente pode mudar algumas coisas pra melhor sem perder a própria essência. Com bastante coragem, como ela faz a todo momento.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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